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Verão, um charmoso apocalipse contemporâneo

Escrito por Luiz Antonio Mello às 09:29 do dia 23 de dezembro de 2017
Sobre: Lugar ao sol
23dez

Todo mundo reclama do calor, mas o verão é adorado. Sempre foi. Até os últimos, quando as temperaturas passaram de 40 graus e os meios de comunicação importaram dos Estados Unidos uma baranga chamada sensação térmica. Cheguei a ler nos jornais que no verão do ano passado a tal sensação térmica bateu os 47 graus algumas vezes.

Verão tem a seu favor algumas datas cruciais: Natal, Ano Novo e Carnaval. Por isso inventaram a lenda de que o país entra em férias em dezembro e só volta a trabalhar na segunda-feira depois da quarta de cinzas. Mentira. Quer dizer (olha a elegância, rapaz!), não é verdade. Brasileiro trabalha pra cacete. Em alguns países europeus como a Espanha, há 30% mais feriados (fora o ronco diário depois do almoço) do que aqui.

Verão é aeroporto de mitos. No topo da lista as praias do Rio. Durante séculos cariocas zoaram paulistanos por causa de praias que, diziam, nós temos e os paulistanos não. Ouso informar que praia no verão carioca é virtual. Superlotadas, tomadas de flanelinhas, camada de ozônio furada, cachorros fazendo cocô na areia, poucos são loucos de se aventurar a um mergulho em Ipanema, Leblon ou na eterna Princesinha do Mar, Copacabana e seu amante inseparável, o Leme. Em Niterói, a ex-musa do verão, Itacoatiara é obrigada a conviver com a falta de educação das pessoas que superlotam o bairro e a praia. Defecam, urinam, copulam na restinga alta, eventualmente cometem furtos nas casas.

Como hoje todo mundo tem carro, milhões se deslocam de todos os pontos do Rio e periferia rumo as praias. Estimulados pela propaganda maciça de cerveja na internet, TV, jornais, rádios, revistas, enchem a cara. Muitos brigam. Mal-intencionados fazem arrastões e num domingo apenas uns 20% conseguem curtir a chamada “praiana” sem se aporrinhar.

Em suma os paulistanos são veranistas mais felizes porque, na certeza de que não tem praias, inventaram belas e confortáveis piscinas, vão as represas, partem para dentro dos cinemas. É hora da revanche. Quem já passou um fim de semana em São Paulo (capital) sabe do que falo. Passei vários, quando trabalhei no Estadão e o que mais fiz foi me divertir, relaxar, ir a dezenas e dezenas de piscinas, cinemas, parques.

O verão foi palco de um horror na região serrana do Estado do Rio no ano 2012. Aos que dizem que “aquilo já era esperado por causa da profusão de favelas”, peço um humilde peraí. Conheço a fundo a Serra dos Órgãos e, meses depois, subindo para Teresópolis ainda dava para ver dezenas de barreiras que formavam línguas de barro em áreas de vegetação nativa. Mas, é claro que a favelização (de ricos também) das encostas agravou mais. Fora isso, o péssimo hábito de construir em beira de riachinho romântico, saído de historinha tipo Alice no País das Maravilhas, que quando bate um toró de verão vira rio asfixiado que sai do leito detonando tudo e todos pela frente.

Verão lança modas. Felizmente acho que a sensualidade está de volta, à bordo dos shortinhos jeans (mais uma vez, que beleza), apesar do policiamento dos politicamente corretos. Mas a quadrilha tem que engolirar que depois da calcinha de algodão e do seu primo próximo, o biquíni de lacinho, calça jeans feminina é o que existe de mais sensual.

Como em todo verão, meus colegas de grosso calibre saem de férias. Jornais e revistas infestados de interinos, o que irrita muita gente. É no verão que as concessionárias de luz têm orgasmos múltiplos com as contas astronômicas (des) graças ao uso de ar condicionado. Cheguei a entrevistar um engenheiro que garantiu que quanto mais novo é o aparelho menos luz ele consome. Só que é no verão que o desgoverno autoriza os aumentos de tarifas e nós, talvez por estarmos trôpegos de calor, nada fazemos. A última manifestação saudável de protesto contra a má qualidade de serviços foi em Piratininga, Niterói, anos 1990. Revoltados, consumidores apedrejaram uma subestação de energia.

Espero que todos vocês tenham um ótimo verão. Quanto as centenas (literalmente falando) de leitores que vivem na Europa, Ásia, América do Norte e que leem essa coluna espero que o inverno não seja tão complicado. E que surja um novo Albert Camus para escrever mais um “Núpcias, o Verão”, que releio ano sim, ano não. E você, nunca leu? Corra e compre.

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Luiz Antonio Mello
Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.
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One thought on “Verão, um charmoso apocalipse contemporâneo

  1. Venerar o verão é herança cultural européia; para eles, isso faz sentido, pois passam de 8 a 9 meses sentindo frio, ou muito frio. O verão para eles, portanto, significa uma trégua no frio castigante. Já por essas bandas, dias ensolarados e temperaturas amenas são a regra o ano inteiro, e durante o outono e o inverno – só se tiver uma chuvinha – é que a friagem pode incomodar um pouco (nada que um casaquinho simples de moletom não dê jeito). Temperaturas de 40 graus são um castigo para quem passa a maior parte do ano sentindo agradáveis 26 graus de média, ou seja, venerar o verão no Brasil é a mesma coisa que idolatrar seu próprio torturador: coisa de masoquista. Outro ponto: brasileiros “fingem” que trabalham: passa-se de fato muitas horas do dia dedicando-se aos diversos ofícios, mas, na prática, produz-se pouco, e tudo que demanda decisões rápidas se arrasta por semanas, até meses. Trabalhar muito, não significa trabalhar bem. Perguntem aos holandeses, aos suíços, aos noruegueses, e eles nos ensinarão como, se é que temos competência para aprender alguma coisa verdadeiramente útil. Último ponto: lixo na praia? Nota ZERO! Cocô e xixi na praia? Nota ZERO! Assaltos e roubos em geral? Nota ABAIXO DE ZERO! Sexo gostoso (e com consentimento) no matinho? Ora, porque não? Qual o problema? Destrói alguma coisa? Impede o bem-estar geral? Torna a existência dos outros insustentável ou desprazerosa? Então, não pode porquê?

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