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Coluna do LAM

Sob o manto azul marinho de uma noite translúcida

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Como sempre faço, olhei para o céu antes de entrar no carro. Senti uma emoção diferente com as luzes. Luzes das estrelas, dos aviões, das torres de comunicação, luzes da vida.

Antes de vir para casa fui até a beira de Itacoatiara, uma praia que era deserta até ontem, anos 1970. Parei o carro, saí e fiquei olhando para o céu. Ignorei a prudência coletiva que recomenda cuidado; entrar e sair rápido do carro porque a cidade está entregue aos bandidos.

Olhando o céu avistei um satélite artificial cumprindo a sua missão, em órbita constante singrando a Via Láctea. A emoção me tomou de novo, reforçada pelo ruído suave das ondas pequenas e distantes, desabando na areia.

O céu…claro!, estamos em maio, e foi em maio, em pleno outono, que com cinco anos de idade fui levado por meu pai para a praia da vila onde vivi a minha infância, sempre ao lado de meu irmão dois anos mais novo, pegando peixes com as mãos, ouvindo o canto dos coleiros no alto dos ingazeiros, o voo sublime dos tiês-sangue.

Naquela noite, todas as 25 famílias que habitavam a bucólica vila, com binóculos, lunetas e até um telescópio estavam na calçada de pedra, encostados a longa mureta baixa. Diziam estar avistando o Sputnik 4, satélite artificial russo.

Eu não entendi. Não entendi porque o Sputnik que vi nas fotos das revistas não tinha nada a ver com aquele minúsculo ponto luminoso, menor do que todas as estrelas, do que todos os canários da terra que cantavam nos pés de abricó e que cortava rápido, bem rápido, o nosso céu. O Sputnik das fotos não era um ponto, mas uma esfera. Eu vi.

Meu pai explicou. Falou da distância, da luz do sol incidindo na esfera, falou do céu, das estrelas, falou de novo dos satélites artificiais, do seu brilho fixo, oposto ao cintilar eterno das estrelas. Falou, falou, falou e recitou um poema.

Estávamos ele, eu e meu irmão, quase a beira mar naquela noite translúcida.

Meu pai recitou Olavo Bilac:

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo/ Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,/ Que, para ouvi-las, muita vez desperto/ E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto/ A via-láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,/Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!/ Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Não entendi nada sobre a incidência da luz, o tamanho do Sputnik, gravidade, força. Mas ali, naquela noite de 15 de maio de 1960, meu pai me ensinou a ouvir estrelas.

E eu nunca mais esqueci.

 

P.S. E-mail da leitora Joelma Santos sobre o artigo de semana passada, “Caminhando pelas ruas de Niterói”:

“Isso porque vc nem citou o Fonseca porque pra maioria este bairro não existe. Só se preocupam com Icaraí, Santa Rosa, Charitas e São Francisco. Porque no Fonseca só existe pobre e pobre tem que morrer. Um bairro com casas históricas puxadas e abandonadas. Antes as crianças brincavam nas ruas. Agora ninguém mais sai de casa. Nas favelas traficantes disputam a venda de drogas para os playboys da zona sul. E onde esta o prefeito?

Resposta – Joelma, o Fonseca é um bairro que está muito presente em meu universo afetivo, já que muitos tios e primos viveram aí. Como esquecer as quermesses do passado, as pipas no céu do horto, as varandas das casas nas noites de verão.

O Fonseca está abandonado, esquecido. (…)

(…) Desculpe não citar o bairro, mas publicarei sua mensagem na coluna. Obrigado pela leitura, Luiz Antonio Mello.

 

Luiz Antonio Mello

Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.

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