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Namorando no teto da barca Rio-Niterói

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Voltem o filme.

“A Revolta das Barcas foi um levante popular, ocorrido em 22 de Maio de 1959 contra o serviço hidroviário na cidade de Niterói, estado do Rio de Janeiro. A revolta, além de 6 mortos e 118 feridos, resultou na depredação e incêndio tanto do patrimônio das barcas quanto da residência da família de empresários que administravam o serviço (o Grupo Carreteiro), e terminou com intervenção federal e estatização das barcas.”

Nascia do fogo o Serviço de Transportes da Baía de Guanabara (STBG), do Governo Federal, considerado algumas vezes como o mais pontual do mundo por revistas especializadas do exterior. Mas veio a fusão, em 1975, que estuprou o antigo Estado do Rio. Niterói perdia a condição de capital do Estado, a ponte tirava o poder das barcas, a antiga Guanabara, que era próspera e eficiente, passou a viver administrando déficits. A fusão foi um desastre para ambos os lados.

Bem, no lugar do STBG criaram a tal da Conerj. As barcas deixavam de ser controladas pelo Governo Federal e passavam ao controle do estadual. Foi quando a coisa começou a desandar de novo e ainda nos dias de hoje, privatizada, a coisa meio que desanda.

As barcas não são mais as mesmas, nem o Rio, nem Niterói, nem o planeta, e muito menos nós, mas o fim da barca da madrugada deve estar deixando muita gente com saudade. Gente que estudava no Rio, ou trabalhava em compensação de cheques, telemarketing, enfim, a barca “do sereno” era um celeiro de casos. Muitos casos que renderam crônicas, artigos, contos e livros ao longo do tempo.

Guardo uma curiosa história daquele tempo. Um grande amigo, cujo nome não revelo nem a tapa, era um quase hippie, gente boa pra caramba. Naquele final dos anos 1970 vivia uma grande paixão. Um dia teve uma ideia. Afoito, corajoso, tocou a ideia em frente e, as 23 horas e 45 minutos de um sábado de meia lua, estavam ele, a paixão (que já alcançara a condição de namorada), duas garrafas de vinho branco, um edredon, travesseiros, taças de cristal e velas.

Ele conhecia um marinheiro, daqueles que acordavam os passageiros batendo com um jornal no encosto dos bancos de madeira quando a barca chegava. Meu amigo pagou a passagem, fez um sinal para o marinheiro amigo, entrou na barca, subiu e foi lá para a popa. Assim que a barca saiu, ele fez pepé para a namorada e em seguida subiu no teto da embarcação. Esticaram o edredon, abriram o vinho, acenderam as velas, deitaram e passaram a noite ali, no teto da barca, sob o manto da meia lua, céu banhado de estrelas, brisa do mar, enfim, parecia Onassis com Jaqueline num mega-iate. Rio, Niterói, Rio, Niterói, incontáveis vezes. Claro, fizeram amor, deram gargalhadas, sem que os passageiros suspeitassem o que poderia estar acontecendo lá em cima.

Quando o sol ameaçou surgir em Niterói, o casal desceu. O marinheiro amigo já não estava mais – certamente seu horário havia acabado. Deixaram a embarcação e ele, meu amigo, tirou uma única foto da proa de seu provisório ninho de amor. Foto que não mostra para ninguém. Em Niterói, foram a extinta padaria “Pão Quente”, tomaram café num copo só, juras de amor trocadas entre pequenos goles e fatias de queijo e presunto. Terminava assim mais uma viagem da “barca do sereno”. Uma de muitas, muitíssimas, cujo segredo o mar, mesmo poluído, consegue guardar até hoje.

Luiz Antonio Mello

Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.

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