Vamos até 1972. Até os urubus que davam voos rasantes sobre Niterói, prenunciando a treva em que a cidade mergulhou quando perdeu a condição de capital do Estado do Rio, sabiam que a fusão Estado do Rio-Guanabara estava para acontecer.
Mesmo assim, pisando em bagres, ignorando o bom senso, na crista da onda do totalitarismo amplo, geral e irrestrito, o governo do estado do Rio começou a fazer o faraônico e milionário Projeto Praia Grande. Algum gênio não identificado achou que Niterói estava pequena e decidiu invadir o mar, uma espécie de Amsterdã ao contrário. É incrível, é extraordinário, mas começaram a aterrar a orla do Gragoatá a Ponta D’Areia, um gigantesco “puxadinho”.
O projeto é dos anos 1940, invenção da era Getúlio Vargas, só que o pai dos pobres, que de otário nada tinha. Astuto, esperto, percebeu que era muito mate para o seu chimarrão e adiou ad infinitum. Chutou a bomba para cima e ela explodiu 30 anos depois no colo dos niteroienses que pagaram, para variar, a conta. Em mesa do Niteroiense o garçom leva a conta, mas em geral não entrega a comida.
A história conta: o projeto vai aterrar a faixa litorânea compreendida entre a Ponta da Armação (no bairro da Ponta d’Areia) e a Praia das Flechas (no bairro do Ingá). O prazo para a execução era de 5 anos, que foram sucessivamente prorrogados até a década de 1970.
Deu no que deu.
Quem vai para as barcas conhece bem o assunto. A direita da estátua do nosso Arariboia, o Terminal Rodoviário João Goulart e o shopping Bay Market são a porta de entrada do nada, uma zona aterrada inútil, deserta, que cheira a perigo e sempre teve pinta de hippie suja, largadona. O Teatro Popular e outras obras de Niemeyer, mais a direita, dão um alívio, mas depois o deserto sinistro avança até a Ponta D’Areia e volta a assombrar os cidadãos que – ninguém é bobo – preferem não andar por ali.
O Projeto Praia Grande, rebatizado de Aterro Praia Grande (o trilhardário voo de galinha, curto, feio espalhafatoso, não passou disso) avançaria, meu Deus!, até a Praia das Flechas, mas tombou morto no Gragoatá, que teve a orla totalmente aterrada. Bem mais tarde a UFF construiu lá o seu campi, bem ao estilo minha casa, minha vida, vulgo 60 graus à sombra, um tribufu que envergonha até o mais relapso estudante de arquitetura.
O insano aterro segue até a estação das barcas onde para, estanca. Claro, se avançasse mais as barcas teriam que ter rodas para atracar e essa constatação, aparentemente óbvia, começou a detonar o projeto. Dizem que esqueceram das barcas quando desenharam o aterrão, mas é fofoca, mexerico da Candinha. Havia no projeto uma espécie de queda de asa, o aterro fazia um zigue, fingia que não via a estação e depois zague, voltava a engolir o mar. E está exatamente assim, basta ir lá para ver. Na internet há vários desenhos, croquis.
Os faraós do Governo do Estado entupiram a cidade de caminhões que ajudaram a desmontar boa parte do mirante do Gragoatá e os ambientalistas só não tacaram fogo em tudo protestando porque não existiam naquela época.
Eram filas de caminhões basculantes rodando 24 horas por dia, destruindo o sono, a segurança dos cidadãos, e mais o asfalto de ruas e avenidas. Diziam que “o progresso exige urgência”, mas queriam dizer “temos que fazer o máximo até chegar a fusão”. Criaram uma empresa de capital misto e, na época, o governo garantia que o mercado imobiliário iria urbanizar a área aterrada de graça, comovendo o Chupa Cabra, E.T. de Varginha, Mula sem Cabeça e outras testemunhas do absurdo e do seu primo próximo, o Caô.
Nas ruas, olhos arregalados, o povo perguntava que Vesúvio era aquele que estavam fazendo. O morro do Gragoatá está sendo comido? A resposta teria vindo em um grande anúncio publicado em jornais locais tentando convencer que o projeto era uma mistura de Mônaco, com Saint-Tropez, com o discreto charme do Porto da Madame.
A história conta que “na área aterrada previa-se a construção de um Teatro Grego, Concha Acústica, Fontes sonoras e luminosas, playgrounds, restaurantes turísticos, aquários, praças de esporte, planetário, passarelas, auditórios ao ar livre, um bosque com 15 mil espécies, o Museu Monumento do IV Centenário de Niterói, um Centro Cultural e um Hotel de Convenções no Morro do Gragoatá (único edifício construído, ex-Novotel e atual Quality Hotel Niterói )”. Que fofo.
Fato. A obra foi abandonada assim que a fusão entrou em vigor, em 15 de março de 1975, decretão do general Ernesto Geisel. O almirante Faria Lima foi feito governador (não havia eleição) e eu, repórter, cobri a sua primeira visita a Niterói. Ele era sério, invocado, mas dono de um humor que não sabia ter. Respondeu assim a minha pergunta “governador e o Projeto Praia Grande?”. “meu filho, acabou, foi pro vinagre. É muito fácil ser faraônico com o dinheiro dos outros… aquilo é caso de polí…” (não terminou a frase).
Um pouco dele. Eu gostava do governador. Sério, honesto, trabalhador, fez um grande governo, às seis da manhã estava na estrada indo para Campos, Bom Jesus do Itabapoana, Itaperuna, para desespero nosso que tínhamos que acordar as quatro. Comia todo mundo no esculacho, secretário disso, daquilo, presidente de autarquias, empresas do estado. Exigia. Meu primo Cornélio Melo, engenheiro, fez um belo trabalho de construção do sistema de água e esgoto da Zona Sul de Niterói naquela época e tem uma passagem com o governador que define bem quem foi Faria Lima. Como todo mundo conhece o Cornélio é só perguntar a ele.
Vimos Faria Lima medir com régua a espessura de asfalto em obras de várias estradas. Em Varre e Sai um político metido a íntimo disse alguma coisa no ouvido dele e o revide foi imediato: “é melhor ser Dona Baratinha do que ladrão!” O cara pediu desculpas (foi fazer gracinha, dizer que comentavam por aí que o governador parecia Dona Baratinha contando dinheiro) mas foi ignorado.
Em Resende, no verão de 54 graus (exagero semântico), os jornalistas estavam almoçando numa excelente churrascaria de posto de gasolina e o cerimonial reservou uma área meio VIP para Faria Lima. Ele não quis. Sentou perto da gente, mas nada disse. Detestava jornalistas. Na saída, liguei o gravador e quando ia chegando perto ele fez uma expressão gozada e disparou “pelo visto quer levar uma sova…sorriu…como vai seu pai?”. Não sabia, mas ele e meu pai foram colegas na Escola Naval.
Gostei tanto dele como pessoa e gestor que mesmo de folga fui a sua despedida do governo em uma pequena solenidade no Palácio Guanabara. Ele seria sucedido pelo funesto e abissal Chagas Freitas (sem comentários). “Agradeço a todos”, disse Faria Lima, “fiz o que tinha que fazer. Vocês vão receber um informe com todas as realizações (um calhamaço com 400 páginas) detalhadas. Enfim, a horta está plantada, que venham os gafanhotos”. Chagas Freitas, então, se apossou do Estado do Rio de Janeiro, até hoje um estado sem comentários.
O que sobrou do Praia Grande está lá, desafiando a lógica. Há projetos de urbanização, há soluções, mas por incrível que pareça tentaram mesmo fazer um “puxadinho” em uma cidade, a nossa cidade, a nossa amada Niterói, linda e louca balzaca.
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# Os amantes de rock estão ansiosos. Daqui a poucos dias vai ser lançada mais uma rádio rock na cidade, dessa vez na internet. Vai se chamar A ONDA e já está em fase experimental neste link, é só clicar: https://bit.ly/2XEq0rA . Estão à frente de A ONDA, Marcelo Oliveira, Cristiano Reis e Marcelo Siqueira, da direção do espetacular Social Rock Club (visite aqui https://bit.ly/2XGc4Ns ) além de mim, Juliana Demier, Verônica Valle e agregados que estão atracando. Niterói é mesmo o Taj Mahal do rock. Nos anos 70, na rua da Conceição 99, a Rádio Federal AM mostrava o melhor do rock mundial, uma programação ultra vanguarda. Nos anos 80, em frente a Rodoviária, a Fluminense FM, a Maldita e agora, direto de Santa Rosa para todos os sistemas solares, A ONDA. Mais detalhes depois da estreia.
## Emoção total segunda-feira passada no super cinema Planet do shopping Multicenter (fantástico, fica aqui https://bit.ly/2YPA79s ). A Produtora Luz Mágica, de Cacá Diegues e Renata Almeida Magalhães e a Prefeitura de Niterói exibiram uma montagem de 15 minutos com uma prévia do filme “Aumenta que é Rock and Roll”, uma ficção escrita por L.G. Bayão, baseada em meu livro “A Onda Maldita – como nasceu a Fluminense FM”. O diretor Tomás Portella estava lá com a brilhante Marina Provenzzano protagonista com Johnny Massaro. Amigos queridos da geração um da Maldita (1982-1985) como Hilário Alencar, Paulo Sisino, Monika Venerabille, Eulina Rego, Paulo Freitas, além de gente do governo, nosso super chapa Paulo Bagueira, o amigo Vinícius Martins. Caramba, senti muita falta de Gilson Monteiro que, poucos sabem, era sócio da Rádio Fluminense FM e salvou o projeto várias vezes. Ao Gilson, doto deste site, a minha eterna gratidão. A demonstração de 15 minutos foi fantástica! Fantástica! Parabéns, Tomás!
# Em tempo, nos próximos dias será lançada a quarta edição de meu livro “A Onda Maldita – como nasceu a Rádio Fluminense FM”, edição digital pela Amazon, preço super popular. Poderá ser lida em celulares, tablets, computadores e, claro, em Kindle e similares.
# Semana que vem publicarei aqui um artigo sobre os dois filmes (cineasta Tetê Mattos está finalizando um documentário) sobre a Rádio Fluminense FM, Maldita, e também sobre o livro.
# O coletivo Pedal Sonoro vai fazer uma bicicletada em homenagem ao Rio, dia 21, domingo. Segundo o convite Pedal Sonoro diz que “assim como seus habitantes, o Rio resiste aos desmandos e ao abandono do poder público”. Roteiro: Rio Antigo (Centro, Zona Portuária, Lapa, etc). Detalhes em https://bit.ly/2xFLLYs .
Muito bom. Deveriamos, debater tão importante tema que fere a história de Niterói desde 1938, quando nasci até hoje. Tenho farto material histórico.
Oi, sou aqui de Porto Alegre morei em NIteroi nesta época. É maravilhoso ler esse texto. Lembrando Niterói cidade gostosa, cheia de sonhos, é cheia de energia como uma criança. Amo essa cidade. Estou agora nesse momento em uma cidade do sul muito próxima a Argentina. Fico agradecida em receber tuas crônicas. Obrigada.
Inenarrável prazer ler um texto tão bom! LAM é um craque! Senti a mesma emoção – ao ler hoje essa matéria – aquela experimentada no início de 1982, quando, voltando de uma longa temporada no Hawaii encontrei o Rio, e minha Cidade do coração, Niterói, invadida pela 94,9 Radio Fluminense FM – A Maldita. Coisa de Gênio.