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Coluna do LAM

Niterói e o bonde da folia (e não do fuzil)

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Bonde cruza o Rio no carnaval dos anos 1950

Os mais antigos contam que houve um tempo em que bondes de carnaval não eram quadrilhas de bandidos empunhando armas, atacando as pessoas, levando celulares, carteiras, muitas vezes ferindo e até matando como o “Bando do Fuzil” que assombrou a cidade ano passado.

Os bondes de carnaval eram eficientes veículos elétricos “fantasiados” que andavam sobre trilhos, antepassados do belo VLT (aquele que o Crivella está destruindo no Rio) que nos dias de carnaval eram tomados por pessoas alegres, também fantasiadas ou não, que rodavam pela cidade curtindo a festa.

Os sempre sábios anciões dizem quer o carnaval de Niterói era antológico, chegou a ser considerado o segundo melhor do Brasil e ocupava, basicamente, todo o Centro da cidade. Carnaval de rua, os foliões usavam fantasias variadas e o que se via era uma enorme, harmônica, calorosa e muito bem humorada multidão pelas ruas. Com o passar do tempo, tudo se transformou, diria Paulinho da Viola.

Este ano, a Prefeitura de Niterói liberou R$ 4 milhões para as três maiores escolas de samba da cidade, um aumento de até 133% em relação a 2019. Prevê que 850 mil pessoas virão participar do carnaval na cidade, o que é quase o dobro da população. Cerca de 100 blocos passarão pelas ruas e haverá festas em 34 bairros, eventos que contam com apoio oficial da prefeitura.

Como outras mazelas, Niterói importou do Rio a infestação dos megablocos de carnaval; empresas lucrativas que faturam alto com a folia, oferecendo o kit trio elétrico, som nas alturas, bebida, comida, aglomeração, banheiros químicos que não dão vazão, eventuais pancadarias e farta desordem pública. Ano passado chegou a se especular a vinda do famigerado Bloco da Favorita, um negócio que reúne milhares de pessoas em Copacabana e este ano foi responsável por uma grande confusão. Felizmente, prevaleceu o bom senso e a vinda do megabloco não se concretizou.

Domingo passado, 10 pessoas foram parar no Hospital Estadual Azevedo Lima com ferimentos e mais de 50 tiveram seus celulares furtados durante um tumulto no Bloco Sambaí, na Concha Acústica, em São Domingos. Segundo as vítimas, marginais simulavam brigas para furtar carteiras e celulares e um deles começou a ser linchado. Foi salvo pela polícia.

Nos anos 1970, a classe média era maioria em Niterói e aproveitando a explosão da indústria automobilística pegava o carro e ia passar o carnaval fora. Muitas famílias viajavam para Friburgo, Teresópolis, Região dos Lagos, mas, no final dos anos 1980, os negociantes de Momo viram nessas cidades uma possibilidade de lucro e invadiram a serra e o mar, na maioria dos casos com generoso apoio financeiro das prefeituras que chamam desordem pública de turismo.

Fortemente influenciado pelo Rio, a história do carnaval de Niterói está marcada pelas disputas de escolas de samba e blocos, além da categoria “Academias”, que existiu nos primeiros anos. Com o passar dos anos, Viradouro, Cubango e Sossego abandonaram os desfiles locais e foram para a Sapucaí, o que contribuiu para o esvaziamento, perda de popularidade, declínio, e finalmente, a paralisação dos desfiles a partir de 1996, até seu retorno, em 2006.

Em Santa Rosa, especialmente no Jardim Icaraí, o carnaval de rua familiar dos moradores começou a levar gente de outros bairros e tornou-se um dos maiores da cidade. O mesmo aconteceu na Região Oceânica onde alguns blocos carnavalescos de amigos e vizinhos cresceram, se multiplicaram e hoje há carnaval em vários locais.

Sobre os bondes elétricos, Niterói esteve na vanguarda do transporte coletivo no século 20, utilizando veículos elétricos que não poluíam, não consumiam combustíveis fósseis, eram rápidos, pontuais. Nos anos 1960 a maioria deles (daqui e também do Rio) foi destruída e transformada em sucata para serem substituídos pelos ônibus. Alguns bondes foram salvos por entusiastas que os compraram e levaram para os Estado Unidos. Lá, restaurados, alguns deles ainda rodam em cidades norte-americanas.

O VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) nada mais é do que uma “reencarnação” modernizada do bonde que os governos tentaram implantar no Rio, mas, pelo que parece, acabaram chutados para escanteio pelo cartel rodoviário.

Luiz Antonio Mello

Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.

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