
O casamento, visto por muitos como o ápice da vida a dois, sempre foi cercado de expectativas e idealizações. Contudo, até 1977, no Brasil, a dissolução desse vínculo era uma via sem saída: o desquite separava o casal, mas não concedia o direito a um novo matrimônio. Foi com a Lei do Divórcio, sancionada em 26 de dezembro de 1977, que uma nova realidade surgiu — e os primeiros a vivenciá-la foram de Niterói.
Dois dias após a promulgação da lei, a cidade fluminense entrou para a história com o primeiro divórcio oficial do país. Os advogados Arethuza Figueiredo Henrique Silva de Aguiar e Francelino França Ribeiro, que já haviam se desquitado em 1970, formalizaram a separação definitiva no dia 28 de dezembro de 1977, por decisão do juiz Wilson Santiago Mesquita de Mello, da 1ª Vara de Família da cidade. Assim, Niterói não apenas abrigou o primeiro casal divorciado do Brasil, mas também marcou o início de uma nova era nos relacionamentos legais no país.
Meio século de transformações
A fusão dos Tribunais de Justiça do antigo Estado do Rio de Janeiro e da Guanabara completa 50 anos em 2025. Esse marco ocorreu em 15 de março de 1975, quando o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) foi oficialmente criado, unificando os sistemas judiciários dos dois estados extintos.
Para celebrar esse meio século de existência, o TJRJ está promovendo uma série de matérias especiais, destacando momentos marcantes da sua trajetória, incluindo casos de grande repercussão e mudanças legislativas que impactaram o Judiciário fluminense.
A legislação passou por mudanças significativas ao longo das décadas. Inicialmente, o divórcio permitia apenas uma nova união. Foi só com a Constituição Federal de 1988 que o modelo atual foi consolidado, possibilitando casamentos e separações sem restrições. O processo também se tornou mais ágil: em 2007, passou a ser possível realizar o divórcio diretamente em cartório, e em 2010, com a aprovação da PEC do Divórcio, o procedimento deixou de exigir separação judicial prévia.
Casal pioneiro
Na época, o assunto gerou enorme repercussão. O próprio Francelino França, então recém-divorciado, participou de debates na TV sobre a novidade e deu entrevistas ao programa “Fantástico”, da TV Globo. O tema, que dividia opiniões e enfrentava resistência da Igreja Católica, foi defendido pelo senador Nelson Carneiro, responsável por liderar a aprovação da lei no Congresso Nacional.
Os advogados Arethuza Figueiredo Henrique Silva de Aguiar e Francelino França Ribeiro decidiram converter em divórcio o seu dequite amigável, feito em 1970, logo no início da vigência da nova lei. Em 28 de dezembro de 1977, dois dias depois da legislação em vigor, já estavam oficialmente divorciados por sentença do juiz Wilson Santiago Mesquita de Mello, da 1ª Vara de Família de Niterói. O casal permaneceu junto por sete anos e, da união, nasceram as filhas Ana Lúcia e Ângela. Consensualmente, dividiram os poucos bens que tinham em comum: ela ficou com os móveis e utensílios da residência, enquanto ele permaneceria com o carro Volkswagen fabricado em 1961.
Aos 88 anos, Francelino França carrega com orgulho a marca de ser o primeiro divorciado do Brasil. Conheceu sua primeira esposa, Arethuza, na Faculdade Federal de Direito, em Niterói, e, ao avistá-la pela primeira vez, disse a um amigo: “vou casar com ela”. E isso realmente aconteceu. “Eu estava no terceiro ano e vi o pessoal do primeiro ano entrando. Um rapaz estava do meu lado e eu falei para ele: vou casar com aquela moça ali. Ele se lembrou disso a vida toda”, contou.
França, como é conhecido, retrata a juíza de paz niteroiense Arethuza como uma mulher “muito bonita, com excelente oratória”. Ele conta que o nome da ex-mulher foi escolhido pelo seu pai, que gostava muito de mitologia grega. Após o divórcio, se mantiveram distantes e reconstruíram suas vidas. “Uma coisa eu jurei para mim mesmo: nunca falar mal dela, nunca criticá-la”, disse.
Ele lembrou também que, novidade na época, o assunto divórcio era o tema do momento, tendo havido um debate na TV Tupi sobre quem era a favor do divórcio e quem era contra. “A Igreja Católica era contra, e o senador Nelson Carneiro foi quem liderou o divórcio no Congresso. Nós queríamos o divórcio, os melhores países do mundo já tinham, inclusive aqui na América Latina, na Argentina, por exemplo”, relembra ele, que chegou a dar entrevista para o programa dominical “Fantástico” na época. “Um desquitado era um desqualificado. Eu não podia ir ao colégio das minhas filhas no Dia dos Pais por ser desquitado. Até os pais de algumas meninas do prédio em que elas moravam não as deixavam brincar com suas filhas por isso”, disse.
Foi em um casamento que França foi apresentado a Eugênia, uma prima que ficara viúva, com dois filhos, e que, até então, não conhecia, e acabaram se unindo em 1980, permanecendo juntos até hoje. Já Arethuza teve outras posteriores uniões. A primeira divorciada do Brasil faleceu no ano passado, aos 85 anos. (Com Ascom TJRJ)