Há 30 anos, um delegado que trabalhou nas delegacias do Barreto e de Icaraí, em Niterói, tinha um bordão: “O detetive acaso vai resolver”. Não havia ainda o Disque Denúncia, que agora vai ter um telefone especialmente para receber informações sobre criminosos na ex-capital fluminense.
José Chantre era o nome do delegado. Homem evangélico, ele acreditava no arrependimento dos bandidos que prendia e procurava convertê-los para o caminho de Deus. Chantre vestia paletó e colete, usava chapéu coco e fazia parte do Exército da Salvação.
Por ironia do destino, um bandido tirou sua vida durante um crime que hoje bate recordes seguidos nas estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP). Chantre, 55 anos, viajava numa tarde de domingo em um ônibus da Viação Brasília, quando na Avenida do Contorno, no Barreto, tentou dar voz de prisão a dois rapazes que roubavam o relógio de uma garota. Pingo, de 26 anos, deu um tiro nas costas do policial e fugiu com o comparsa Chuca.
No sepultamento do delegado, no dia 26 de agosto de 1985, lembraram que ele dificilmente era visto em carros da polícia, preferia ir a pé ou de ônibus fazer suas diligências. Mais de mil pessoas acompanharam o féretro e a alma dele foi encomendada pelo pároco do Barreto, padre Menceslau Valiukevicius, que criticou a política de direitos humanos do então governador Leonel Brizola. “Os direitos humanos de um indivíduo cessam quando começam o de outro”, vaticinava o pároco que tinha um pastor alemão para defender a casa paroquial dos assaltantes.
Três anos antes, o sacerdote havia sido excomungado pelo arcebispo de Niterói, Dom José Gonçalves da Costa, por se recusar a entregar a igreja do Barreto a um novo pároco. Valiukevicius recorreu ao Vaticano e, em 1983, a Sagrada Congregação para o Clero deu-lhe ganho de causa.
Três décadas depois nossa alternativa continua sendo levar queixas ao bispo. Os assaltos a ônibus aumentaram; policiais hoje também deixam de usar carros de polícia, mas principalmente porque os veículos estão quebrados ou sem combustível; e a Declaração Universal dos Direitos do Homem homologada pelas nações em 1948 é polêmica até hoje, dependendo do ponto de vista de quem defende tais direitos ou deixa de aplica-los.
Hoje o Rio de Janeiro vive em verdadeiro clima de guerra. Foram 4.895 tiroteios em seis meses de intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. Confrontos de polícia versus bandidos contabilizam 742 mortos e 620 feridos, dentre os quais nem todos eram ou são suspeitos por algum crime. Segundo o ISP, 636 eram apontados como suspeitos por crimes.
O uso da força em 372 operações realizadas de março a julho, segundo levantamento do Observatório da Intervenção, da Universidade Candido Mendes, mostra que resultou na apreensão de 373 armas, ou seja, uma a cada ação.
Tida como “uma jogada de mestre” pelo presidente Michel Temer, a intervenção ganhou esta semana mais seis meses, com a prorrogação do prazo que se extinguiria em dezembro próximo.
Se a intervenção não conseguir atingir seu objetivo principal, que segundo o general interventor Richard Nunes seria a reestruturação da polícia, melhorando sua capacidade operacional e filtrando-a de maus policiais, pouco terá valido o sacrifício de pessoas de bem atingidas pelas tais “balas perdidas”.
O governo federal precisa fazer muito mais e fechar as fronteiras ao tráfico de drogas e de armas. A polícia precisa estar bem equipada com recursos humanos e materiais e contar com tecnologia e equipamentos que promovam ações de inteligência para vencer a força bruta dos marginais. As cadeias devem deixar de ser “escritórios do crime”, de onde criminosos poderosos comandam suas quadrilhas. Do contrário, as facções criminosas vão se firmar como um quarto poder da república.
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