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Coluna do LAM

Poluição sonora: não dá para dormir com um barulho desses

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Uma reportagem de Daniela Kalicheski no Globo (12-01-2019) revelou que a poluição sonora está em segundo lugar no ranking de reclamações do Disque Denúncia, em Niterói. “Icaraí está no topo das reclamações, que apontam bares, boates, academias, quiosques, festas, igrejas e bailes funk como os vizinhos mais incômodos.”

Curiosamente, as pessoas perguntam por que as cidades estão entupidas de farmácias. As vezes existem três em um único quarteirão, todas com movimento abundante. O motivo parece óbvio, mas sempre haverá bruxas tentando varrer a verdade para debaixo do asfalto.

Há quem prefira fingir que não sabe que a sociedade está gravemente doente porque, há décadas, o poder público (de esquerda, direita e centro) jogou no lixão conceitos básicos de sobrevivência e decidiu que “esse papo de querer salvar árvores borboletas é intriga da oposição”. Criou um estigma, semeou uma plantação de preconceitos toscos e afunda o planeta.

Movida pela culpa dos maus colonizadores (por sinal, não conheço bons colonizadores), a Europa começou a enfrentar a poluição nos anos 1960. O rio Tâmisa, que corta Londres, virou esgoto e teve que ser ressuscitado.

A partir de 1952, o governo inglês tentou “marketear” o fog londrino, mas não conseguiu sumir com o trágico “fog dos cinco dias”, conhecido também como Big Smoke, um período de desumana poluição atmosférica, entre os dias 5 e 9 de dezembro de 1952, que encobriu boa parte de Londres.

O fenômeno foi considerado um dos piores desastres ambientais da história, culpa do excesso de queima de combustíveis pela indústria e pelo transporte. O fog matou pelo menos 12 mil pessoas e deixou 100 mil gravemente doentes. Não deu para varrer a verdade para debaixo do manto da rainha.

Um dos braços mais perversos das patologias urbanas é invisível. A poluição sonora mata aos poucos. Devagar, sordidamente, e tem como aliados os sócios de sempre: a cumplicidade dos governos, o desleixo de muitos cidadãos, o “dane-se, faço o que quero os vizinhos que se danem” e assim “segue” a vida.

Por exemplo, o problema pode começar com um martelar impune, domingo de manhã. O sujeito pega o prego, o martelo, e as oito horas começa: pac, pac, pac. Ninguém reclama. Ele aproveita que está todo mundo quieto e passa a consertar coisas pela casa. Liga a desesperadora furadeira e, animado, pega a makita (serra usada em mármore e similares) e decide dar um jeito numa parte do piso da sala. O homem que “inocentemente” começou batendo um prego na parede as 8 da manhã, duas horas depois está produzindo dezenas de decibéis de doenças.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, no rastro desse programa de domingo estão: demência, depressão, surdez, agressividade, perda de atenção e concentração, perda de memória, dores de cabeça, insônia, aumento da pressão arterial, AVC, cansaço, fobias, síndrome do pânico, gastrite e úlcera, queda de rendimento escolar e no trabalho, taquicardia, redução da libido, arritmia, etc.

Está bom para você? Pois para mim não está, não. Voltando as farmácias, sou informado que aumentou muito a venda de protetores de ouvidos, aqueles pequenos, de materiais que se assemelham a borracha. Achei que era o único usuário.

O vendedor explicou que os consumidores são pessoas comuns que não suportam mais o barulho, mas a conversa foi prejudicada por casa do constante buzinaço dos carros engarrafados na Tavares de Macedo perto da Pereira da Silva.

Há também as centenas de çidadões trepados em motos sem silenciosos e, como esquecer?, as kombis que compram ferro velho e seus locutores que usam potentes alto falantes e espalham fúria contida pela cidade já as oito da manhã.

Os médicos tem alertado para o uso boçal de fones de ouvido que as pessoas espetam nos celulares para ouvir música, mas esse não é um problema das cidades. Querer ficar surdo é um direito individual, o problema é ter que aturar gente ouvindo música (ou sub música) aos berros, com a janela aberta. Em geral, nos fins de semana também a partir de oito da manhã (hora fatídica) até…varia entre meia noite e cinco.

Alguns restaurantes, padarias e bares da cidade são bonitos, mas não tem possuem tratamento acústico. O som da gritaria resvala aqui, ali, causa irritação e obriga todo mundo a gritar também. Inconcebível um lugar que serve ao público não se preocupar com a saúde dos frequentadores que o sustentam.

A lei do silêncio é como tomada de três pinos ou placa de carro para o Mercosul: imprestável. É como a lei da fila, aquela que obriga bancos a atender em menos de 15 na fila do caixa, que pode dar multa de R$ 1.500,00. Algum leitor, por acaso, é atendido em menos de 15 minutos? Onde, por favor?

O deboche maior é simbolizado pelo cínico aviso “desculpem os transtornos, estamos trabalhando em seu benefício”, é quando ninguém dorme, ninguém come, ninguém vive decentemente, porque o tal aviso significa que há obra, o que é igual a barulho, transtorno e menos saúde.

Esse tipo de artigo pode ser chuva no molhado, voo de galinha, placebo porque nada ou pouco adianta, mas pior seria não escrever e fingir que dá para dormir com um barulho nesses.

Não dá.

Luiz Antonio Mello

Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.

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