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Coluna do LAM

Poema de amor no mar de Piratininga

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Praia de Piratininga.

Mormaço. Areia vazia. Umidade relativa do ar em 77%. Nenhum sinal de chuva. Sentado numa cadeira avistou à distância um pequeno barco à vela. Snipe, provavelmente. A bordo, sozinha, uma mulher. O barco solitário, em velocidade, ia e vinha sempre, paralelo a praia, desafiando a arrebentação de Piratininga. Mansa nesse dia.

Quem seria aquela mulher de colete laranja? Ele não queria saber quem era e muito menos como era. Mesmo à distância decidiu que era bela; que pegou seu barco e decidiu fazer confidências ao mar, o mais poderoso guardião de nossos segredos, especialmente em Piratininga onde ele vivera amores que julgou sólidos e inesquecíveis.

O nome do barco escrito na popa. Não casualmente, naquele início de tarde, ele estava com uma câmera na bolsa com uma razoavelmente poderosa lente teleobjetiva. Era só pegar, focar no barco, ver o nome, as inscrições na vela, contemplar a mulher. Optou por deixar a câmera quieta. Não quis saber como era aquela mulher, o nome do barco, o tipo de barco para não meter o pé na porta da quitinete de suas fantasias.

Ela deixou de navegar em paralelo e partiu para o horizonte. Foi longe, muito longe. Ele só conseguia enxergar uma mancha. A vela. Minúscula em comparação com os navios. O que ela estaria confidenciando ao mar de Piratininga? Apenas o prazer de navegar? O prazer da tórrida noite anterior? A possibilidade do prazer voraz no final daquele dia? Estaria pensando num novo amor conquistado, num amor perdido, numa paixão inesperada? Mudar de profissão? Estaria feliz, alegre, desolada, isolada?

Em questão de minutos o barco voltou para perto, bem perto, perigosamente perto, raspando na arrebentação até chegar rente a areia. Ah, não! Tudo, menos ver aquela mulher, que fascinava pelas manobras decididas, pela ousadia, pelo saudável convívio com a solidão, pela decisão de ser feliz mesmo em dias de céu nublado. Ele estava construindo um mito mas os mitos não falam, não se exibem, não são de carne e osso.

O vento rondou. De novo. O barco deu um bordo e voltou a singrar o mar em paralelo à praia. Alívio, ela não a veria. Ele começou a inventar nomes para aquele suposto snipe. “Destino”? Não, muito óbvio. Fora isso, ninguém domina o destino com tanta precisão como aquela mulher, como se estivesse montada, nua, em um cavalo selvagem. Ela dominava o barco, mas não o destino. “Hope” seria um bom nome, o significado (esperança).

Ele estava encantado com a mulher que inventou, fruto do solitário devaneio, vastas emoções e pensamentos imperfeitos, como escreveu Rubem Fonseca. Em menos de uma hora ela se tornou perfeita, bela, companheira, aquela  platônica carência momentânea não poupava delírios.

De repente, o barco tomou uma reta não paralela e foi. Foi, foi, foi, até sumir. Levou a “mulher dele”. Não. A “mulher dele” levou o barco. Não. O mar de Piratininga levou o barco e a “mulher dele”. E como nada ou ninguém consegue sequestrar devaneios, ele fechou os olhos e o cochilo no mormaço foi inevitável.

Entregue a memórias, sonhos e reflexões.

 

 

 

Luiz Antonio Mello

Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.

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