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Coluna do LAM

‘Ora que melhora!’

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Antigamente as mensagens, digamos, automotivas eram vistas (e lidas) nos para-choques de caminhões. Mensagens bem humoradas, outras mais reflexivas, mas quase todas de bem com a vida. Com o passar do tempo, essas mensagens acabaram chegando ao automóvel através dos adesivos. Linguagem direta, objetiva.

Tempos atrás, debaixo de chuva, dentro de um ônibus, vi as ruas de Niterói cheias de gente com a aparência de cansaço, uma imagem meio em câmera lenta. Resolvi me distrair lendo os dizeres dos adesivos dos carros que tentavam se deslocar naquele trânsito preguiçoso dos dias chuvosos.

A primeira que li no vidro de um carro foi: “Ora que melhora!”. Gostei da mensagem, da ideia, da intenção. Afinal, se existe um conceito universal que une todas as religiões, crenças e correntes filosóficas é o poder da oração, poder esse que a ciência já reconhece há bastante tempo.

Mais à frente, na tampa do porta-malas de um carro bem usado, um adesivo anunciava: “É velho, mas é meu”. Também gostei. Afinal, que história é essa de que todos têm que ter carros novos, sapatos novos, roupas novas? A mensagem mostrava o orgulho do proprietário daquele carro, o cheiro de vitória, mais uma etapa de sua vida simbolizada por prestações e mais prestações que finalmente foram quitadas.

Claro que em ano eleitoral começam a surgir nomes e apelidos em vidros de todos os tipos de veículos anunciando que alguém vai se candidatar a alguma coisa. E esse alguém, com toda a razão, confia no poder dos adesivos. O que faz uma pessoa comprar e colocar, muitas vezes em letras garrafais, a frase “Vivo arranhado, mas não largo a minha gata” no vidro traseiro do carro? Há ainda o já tradicional: “Eu amo minha família”, que surgiu depois do “Eu amo minha esposa”. Acho que não há explicação, a não ser o desejo dessas pessoas em dividir suas histórias, ou brincar com nossos humores.

Mensagens em adesivos colocados em veículos estão longe de ser uma exclusividade brasileira. Os norte-americanos adoram adesivar seus carros, motos, caminhões, ônibus, com mensagens que muitas vezes não fazem o menor sentido. Uma delas é “Não me siga, estou perdido também”, que pode ter mil conotações. Desde o perdido no trânsito banal até o perdido na vida, nas perspectivas, no emaranhado de dúvidas e angústias.

No caso do “Ora que melhora!”, que vi no trânsito moroso, chamou minha intenção porque no ônibus ao lado uma senhora de idade fechou os olhos e juntou as mãos assim que leu a mensagem. Só ela sabe porque orou, para quem ou o que orou, mas o fato é que a mensagem atingiu seu objetivo.

Muito já se escreveu e falou sobre as frases de para-choques de caminhões. Há, inclusive, um livro a respeito que li há anos atrás. O autor colecionou as frases ao longo de anos viajando pelas estradas brasileiras e reuniu um esplêndido coquetel de reflexões, algumas de extrema sensibilidade, outras de ótimo humor, mas nenhuma negativa, difamadora, rancorosa.

Quando migraram para os carros, o objetivo foi o mesmo. Humor, boas sacadas, fé e muito pouca baixaria. O que é muito bom para todos nós.

Luiz Antonio Mello

Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.

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