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Ônibus maquiados para a Transoceânica

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Ônibus adaptados com portas do lado esquerdo circulam ao lado de outros sem esse acesso para passageiros na via expressa

Nem BRT nem BHLS  elétricos circulam pela Transoceânica, obra milionária em que o prefeito Rodrigo Neves, acusado pelo Ministério Público de receber propina de empresas de ônibus, já gastou mais de R$ 420 milhões e vem adiando sua inauguração. Doze ônibus do consórcio Transoceânico – cujo dirigente, João Carlos Teixeira, também ficou preso preventivamente com Rodrigo em Bangu 8 –, foram adaptados para fazer às vezes de BHLS, recebendo portas de entrada e saída do lado esquerdo (foto).

Sem os BHLS elétricos que a prefeitura de Niterói iria comprar no ano passado para lhe entregar de mão beijada, o consórcio de ônibus de nome parecido com o da via expressa comprou novos veículos com piso rebaixado e com novas portas do lado do motorista para permitir o acesso de passageiros na pista seletiva que cruza a Estrada Francisco da Cruz Nunes e atravessa o túnel do Cafubá a Charitas. A lotação de cada um é para 58 pessoas em pé e 32 sentadas. Os ônibus antigos da frota do Transoceânico vão ser maquiados como BHLS recebendo as novas portas esquerdas.

A propaganda da prefeitura dizia que Niterói ia ser a primeira cidade da América Latina com o sistema de ônibus BHLS (sigla em inglês para ônibus de serviço de alto nível). Há dois anos, o consórcio Transoceânico não cumpriu o trato com a prefeitura, de encomendar novos ônibus tipo BHLS, alegando ter havido queda no número de passageiros, além de as empresas não estarem recebendo o pagamento do bilhete único devido pelo governo estadual.

Desembargadores adiam aceitação de denúncia

Segundo o procedimento investigatório do MP, cuja aceitação de denúncia ficou adiada para a sessão plenária de abril do 3° Grupo de Câmaras Criminais do TJ, a prefeitura pagava aos consórcios Transnit e Transoceânico pela gratuidade nas passagens de estudantes e deficientes físicos, através do Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário do Estado do Rio de Janeiro (Setrerj) e o prefeito e seu ex-secretário de Obras, Domício Mascarenhas, arrecadavam propina de 20%.  Desde 2014 até dezembro, o Transnit recebeu do Fundo Municipal de Transportes R$ 37,3 milhões e o Transoceânico R$ 40,5 milhões.

Em 12 de março, por maioria de votos, os desembargadores do 3º Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) aceitaram recurso da defesa de Rodrigo Neves, permitindo que retornasse ao cargo, e também soltou os demais acusados presos preventivamente no dia 10 de dezembro do ano passado, durante a Operação Alameda, um desdobramento da Lava Jato no Rio.

Medidas cautelares foram impostas aos acusados: eles não poderão sair do estado ou do país, tiveram seus passaportes recolhidos, não poderão manter contato entre eles nem com as testemunhas arroladas pelo Ministério Público. Eles também não poderão deixar a cidade de Niterói por mais de oito dias sem autorização do juízo.

O recebimento da denúncia do MP e a homologação da delação premiada de Marcelo Traça, ex-dirigente da Fetranspor, ficaram adiados para abril porque o desembargador Paulo Baldez pediu vista do processo.

MP e TCE investigaram sobrepreço

Em novembro do ano passado, poucos dias antes de ser preso pela Operação Alameda, que apurava um suposto pagamento de R$ 10,9 milhões de propina feito a ele e a seu ex-secretário de Obras, Domício Mascarenhas, o prefeito Rodrigo Neves anunciou que faria a licitação de 40 ônibus elétricos para entregar em comodato ao consórcio Transoceânico, de João Carlos Teixeira.

No dia 11/12, um dia depois de sua prisão, Rodrigo tinha um jantar marcado com Teixeira no restaurante Jambeiro, em Niterói, segundo consta na agenda do empresário apreendida pela polícia.

A justificativa para a prefeitura entregar os veículos elétricos ao consórcio Transoceânico era fazer com que a tarifa do BHLS fosse do mesmo valor da cobrada nas linhas municipais de ônibus convencionais, que é de R$ 3,90. Os 60 veículos elétricos restantes previstos para circular no corredor expresso da Transoceânica, do Engenho do Mato a Charitas, teriam que ser comprados pelo consórcio.

A compra desses 40 ônibus pelo município estava orçada em R$ 51,96 milhões. Seria empregado no negócio dinheiro arrecadado com royalties do petróleo, recursos que neste ano de 2019 deverão chegar a R$ 1,3 bilhão.

Ao assumir interinamente o cargo de prefeito, após a prisão de Rodrigo Neves, o presidente da Câmara de Vereadores, Paulo Bagueira, suspendeu a licitação para a aquisição dos veículos elétricos. O Ministério Público estadual estava investigando a legalidade da compra dos veículos que seriam entregues à iniciativa privada.

Mais de um metro de pilha de processos

Este processo e mais uma dezena de outros já são suficientes para formar uma pilha de mais de um metro de papel no Ministério Público, que também investiga a licitação para a construção das estações do BHLS, inicialmente previstas para custar R$ 36,7 milhões. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) auditou esta concorrência pública dos ônibus e apontou irregularidades. O TCE também decidiu pela devolução aos cofres da prefeitura de Niterói de R$ 11,5 milhões superfaturados nas obras da Transoceânica.

Uma das onze “estações de passageiros” da Transoceânica construída por R$ 950 mil

Essa condenação foi decidida por unanimidade dos conselheiros do TCE, em sessão plenária realizada no dia 11/01/18, baseada em auditoria feita de junho a novembro de 2016 por técnicos do tribunal, como a coluna já havia noticiado em dezembro de 2017.

Além desse superfaturamento de R$ 11,5 milhões, os auditores do TCE denunciaram utilização de material de baixa qualidade em vários trechos da via expressa, e o tribunal determinou que os reparos fossem feitos sem ônus para a municipalidade.

O TCE-RJ identificou um sobrepreço de R$ 10.987.930,30 no edital e de R$ 4.642.373,25 em um termo aditivo. O projeto já soma hoje gastos de mais de R$ 420 milhões.

Abrigos de passageiros custam milhões

Apesar de a Transoceânica ser uma obra para a implantação de um corredor expresso para ônibus, a construção de 11 estações não estava incluída no primeiro contrato e foram licitadas à parte em 2018. Depois que o TCE questionou o gasto previsto de R$ 36.711.620,07, a prefeitura de Niterói refez o projeto das estações, passando elas a serem simples abrigos de passageiros.

Cada uma dessas novas estações vai custar cerca de R$ 950 mil, isto se não forem assinados aditivos reajustando os preços. A primeira delas foi erguida no trevo em frente à Avenida Central, na Estrada Francisco da Cruz Nunes. As outras vão ficar em frente ao Mercado Maravista; próximo a Rua São Marcio; próximo à subestação da Enel; próximo à Avenida Santo Antônio; próximo ao shopping Multicenter; perto do Hospital da Amil; na altura do DPO do Cafubá; na rótula Cafubá (Fazendinha); e próximo à AABB.

A prefeitura diz que essas ‘estações’ seguem o modelo do VLT implantado no Rio de Janeiro, mas com o piso na altura do passeio público.

Através da Empresa Municipal de Moradia, Urbanização e Saneamento (Emusa), a prefeitura contratou a Construtora Pimentel & Ventura Ltda para fazer as onze ‘estações’ pelo valor de R$ 1.427.406,10; e a Metalco do Brasil Ltda, para fornecer o mobiliário, pelo valor de R$ 8.993.150,00. O valor global dos contratos é de R$ 10.420.556,10.

A obra e o ‘Chefe’

Em agosto de 2017, o ex-presidente do TCE, Jonas Lopes Júnior, citou em delação premiada na Operação Quinto do Ouro que o prefeito Rodrigo Neves e um dos empresários responsáveis pela construção da Transoceânica participaram de uma negociação para lhe dar uma vantagem indevida de R$ 100 mil, que  repartiu com outros conselheiros do órgão na sala da presidência, a fim de relaxarem a fiscalização da obra em Niterói.

Ricardo Pessoa, Paulo Bagueira, Miriam Belchior e Axel Grael assistem Rodrigo assinando contrato com a Constran do empresário preso pela Lava Jato

A construção da Transoceânica estava prevista para custar R$ 320 milhões, mas com os aditivos já está em R$ 420 milhões. Ela foi contratada pelo prefeito Rodrigo Neves a um consórcio integrado pela Constran, empresa do grupo UTC, do empresário Ricardo Pessoa condenado pela Operação Lava-Jato. O empreiteiro, dias antes de ser preso pela Polícia Federal, telefonou para Rodrigo Neves, a quem chamava de “meu chefe”, e recebeu convite para almoçar em Niterói, para falarem sobre a obra contratada sem licitação.

 

O contrato foi assinado pelo prefeito Rodrigo Neves com o Consórcio Transoceânico, formado pela Constran, de Pessoa, e pela Carioca Engenharia. Foi utilizado o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), criado pela ex-presidente Dilma Roussef para supostamente acelerar as construções para a Copa do Mundo em 2014. O RDC foi aplicado em Niterói com a desculpa de que a Transoceânica era financiada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), incluído no regime especial.

Gilson Monteiro

Iniciou em A Tribuna, dirigiu a sucursal dos Diários Associados no Estado do Rio, atuou no jornal e na rádio Fluminense; e durante 22 anos assinou uma coluna no Globo Niterói. Segue seu trabalho agora na Coluna Niterói de Verdade, contando com a colaboração de um grupo de profissionais de imprensa que amam e defendem a cidade em que vivem.

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