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Coluna do LAM

Niterói dos anos 60: Cornélio Melo vai contar tudo o que sabe

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Troleibus da linha Barcas-Ingá, o “chifrudo”, vítima constante de Robertinho Sacanagem

Conheço pouca gente tão ou mais apaixonada por Niterói do que Cornélio Melo, uma das pessoas mais queridas da cidade. Ele é um bem-sucedido engenheiro e arquiteto, além de guitarrista, cantor, pesquisador musical, meu primo.

Quinta-feira agora, dia 5, as 20 horas, ele vai estar no Espaço D3, em Icaraí, para conversar com o público (a entrada é gratuita) sobre a Niterói dos anos 60, suas bandas de rock, bailes, festas, tróleibus, clubes. Detalhes na página do Social Rock Club: https://bit.ly/2ZvK54l

Nos anos 1960 a ponte ainda não existia, o que garantia a Niterói uma privacidade rara. Em 70 a população era de 320 mil habitantes, hoje, passa de meio milhão. A cidade de chácaras, casarões, tomada de árvores, era a capital do antigo Estado do Rio. Foi nesse ambiente paradisíaco que os jovens da época conheceram e passaram a venerar os Beatles e os Rolling Stones, fizeram suas bandas e sonharam em tocar como eles.

Eram incontáveis os bailes com bandas ao vivo em residências nas noites de sábado, especialmente em Icaraí, Ingá, Santa Rosa e Fonseca. Violência zero, portas e janelas viviam abertas, no máximo um ou outro roubo de calcinha e sutiã no varal do quintal. Pois é, havia muitos quintais, com os “galos, noites e quintais” do Belchior que, por sinal, adorava essa cidade.

Foi assim que nasceram os “Beatles locais”, ou a conexão “Liperpool-Cantareira”, que o saudoso Marquinhos Haizer eternizou em livro que comentei aqui há poucas semanas. Cornélio Melo tocava em duas dessas bandas, “Os Trogloditas” e “Melody Spatial”. Vivenciou intensa e profundamente os “crazy days” da cidade conseguindo conciliar estudos com viradas de noite tocando em bailes nos fins de semana, que superlotavam clubes como o Regatas, Central, Pioneiros, Marajoara.

Claro, as bandas competiam entre si mas eram todos amigos. As tardes de sábado em algumas regiões da cidade tinham como trilha sonora os ensaios dessas bandas aos berros, com direito a reclamações, brigas de vizinhos.

Não havia estúdios, os ensaios eram nas salas, quartos, garagens e, muitas vezes, no quintal. Ficou conhecido o caso de um grupo que, expulso de casa, ensaiava em um galinheiro numa casa no Vital Brasil.

Enquanto todo mundo dançava, bebia, tocava nas festas, nas ruas personagens como o lendário Robertinho Sacanagem cuidavam do “departamento de transgressões”, digamos assim. O troleibus era um ônibus elétrico, conhecido como chifrudo porque tinha duas hastes grandes que o conectavam ao fio. Robertinho gostava de correr atrás e soltar a haste, parando o veículo. Isso é o de menos.

Quando o motorista descia para colocar, Robertinho assumia o volante e roubava o troleibus cruzando a cidade, num “evento” tão autoral que era logo preso. “Coisas do Robertinho”, diziam irritados os policiais que o levavam para prestar esclarecimentos e em seguida liberavam.

Robertinho se juntava a Léxico, Bode e Marquinhos do Aero. Léxico, um negro mais forte do que o Lothar, assessor do Mandrake, e extremamente agressivo. Tinha como hobby ficar de pé no meio fio da Praia de Icaraí, escolher um ciclista e simplesmente dar um soco para apagar o sujeito.

Numa dessas, um guitarrista que morava na Tavares de Macedo ia para o ensaio de seu grupo desfilando com uma guitarra Giannini Super Sonic novinha pendurada no pescoço e o Léxico mandou “me dá aqui que eu quero tocar isso”. O guitarrista parou, mas não entregou a guitarra.

Léxico deu um soco de raspão no queixo do desesperado guitarrista, que pegou a guitarra e bateu com força na nuca do agressor, saindo correndo em seguida. O furioso Léxico berrou “vou te caçar onde você estiver, f.d.p.” espatifou a guitarra em pedaços na calçada da praia.

Bode? Costuma roubar quatro ou cinco motos, juntar as peças e montar uma. Era visto desfilando com “Franksteins” pela cidade. Marquinho do Aero, era piloto de aerobarco, lanchas rápidas que foram usadas na travessia Rio-Niterói. Conta a lenda que num fim de semana ele pegou um aerobarco e foi para Angra dos Reis com uma atriz de TV, onde acabou preso. Robertinho, Léxico, Bode e Marquinhos morreram precocemente.

Claro, Cornélio vai contar a história do roubo da guitarra “amaldiçoada” dos Mutantes em um clube aqui da cidade e vai descrever a aventura que era ter uma banda em Niterói nos anos 60.

Eram quase 100, utilizando o que havia de pior em matéria de instrumentos, amplificadores, microfones que davam choque nos músicos e muitas vezes no público.

A cena do célebre Banana cantando nos “Imortais” num palco da Praia de Icaraí entrou para a história de quem assistia. Em determinado momento, Banana se jogou no chão e começou a rolar pelo palco numa performance que arrancou aplausos.

Logo depois, soube-se que a tal performance foi consequência de um violento choque que ele levou na boca, quando o microfone ficou agarrado e quase matou eletrocutado o cantor, que deixou a cena desmaiado, sendo levado as pressas para a “segunda casa” dessa geração, o Hospital Antonio Pedro.

A carreira de Banana e dos Imortais acabou numa ida da banda a Festa da Cebola, em Maricá, numa DKW Vemag afanada do pai de alguém. Chovia. Banana dirigia, cantava e tomava Cuba Libre sem gelo e acabou atropelando uma vaca já perto de São José do Imbassaí.

Com o impacto, o animal invadiu a cabine do carro e todos os integrantes ficaram gravemente feridos, um episódio que Banana jamais superou. Tanto que, arrasado, optou por deixar definitivamente a cidade, apesar de perdoado pelos feridos e seus familiares que, como se não bastasse, tiveram que indenizar o dono da vaca.

Foi nesse ambiente que Cornélio Melo cresceu, criou vínculos afetivos, fez muitos amigos, casou, teve filhos e como todos, gostava de fazer “footing” sábados a tarde junto ao meio fio da Praia de Icaraí com os carros de seu pai, em geral o mitológico Aero Willys, sonho de consumo de todos. O som do carro em alto volume, sintonizado na Rádio Mundial, para atrair as meninas.

A noite, o Aero virava van de transporte de equipamentos das suas bandas, com autorização do seu pai, Dr. Cornélio de Melo Júnior (merecidamente, é nome de rua em Piratininga), uma figura maravilhosa, um grande e humaníssimo nome da Psiquiatria, sempre muito saudoso por todos nós.

Essa conversa de quinta-feira vai interessar a quem viveu a Niterói dos anos 1960 como também os que vivem na cidade hoje, principalmente os que vieram de fora e tem interesse por nosso DNA. Inteligente, bem-humorado, culto, Cornélio vai proporcionar momentos de muito prazer porque não é todo o dia que, como escrevi no começo, encontramos alguém que ame mais essa cidade, viveu e vive intensamente cada minuto por aqui.

Vamos lá conferir!

@ A cantora niteroiense Adriana Ninski, uma das maiores blueswoman do país, é a convidada do programa “peça a sua Música” na Rádio AONDA. Neste domingo, as 10 da noite, ela vai falar e ticar seus artistas preferidos. Para ouvir é só acessar www.radioaonda.com.br

@ A propósito, transmitindo de Niterói e com apenas 40 dias de existência, a RÁDIO AONDA é líder de audiência na Região Metropolitana do Rio, no segmento Radio Rock, de acordo com os dados do renomado portal RADIOSNET, entre 12 e 25 agosto. Em Niterói, AONDA é líder com quase 90% de audiência no segmento.

@ Morreu essa semana o jornalista Paulo Nunes, conhecido como Paulinho do Opção por causa da sua coluna no jornal. Paulinho vivia em Icaraí e era muito querido, gente muito boa. Nossos sentimentos a amigos e familiares.

Luiz Antonio Mello

Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.

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