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Memória em ruínas: o esquecimento estampado no Centro de Niterói

Escrito por Gilson Monteiro às 08:30 do dia 25 de julho de 2025
Sobre: Revitalização midiática
  • Palacete abandonado no Centro de Niterói
25jul
Palacete em ruínas tem sua história e sua serventia desprezadas pelo projeto de revitalização do Centro de Niterói

A imagem que acompanha este texto não precisa de legenda — ela grita por atenção. O prédio histórico que um dia abrigou a antiga Secretaria Estadual de Fazenda e já serviu a Dom Pedro I está em estado lastimável. Por trás dos tapumes que cercam o palacete da Rua Marechal Deodoro pode se ver janelas quebradas, vegetação crescida e muros pichados. Um homem separava caixas empilhadas desordenadamente à frente de uma velha camionete. Reflexos do colapso de uma política pública que escolhe o que lembrar e o que deixar cair no esquecimento.

O prefeito Rodrigo Neves fala há anos em “revitalização” do Centro. Mas enquanto a Avenida Visconde do Rio Branco recebe prédios novos e atenção midiática — junto ao Caminho Niemeyer, com seu apelo turístico — as ruas adjacentes vivem esquecidas. A Marechal Deodoro, por exemplo, já foi símbolo da força comercial da colônia libanesa.

A antiga sede da Secretaria da Fazenda, com sua arquitetura imponente, poderia ser um polo de serviços públicos. Imagina se a prefeitura realocasse ali órgãos municipais — atraindo movimento, fomentando o comércio, dando nova vida à região. E ainda há o edifício do antigo IASERJ, outra estrutura no Centro que segue sem destino, talvez porque a Zona Sul, com seus pontos turísticos e bairros nobres, garanta mais retorno eleitoral.

Disputa por visibilidade política

Rodrigo Neves articula a posse de imóveis como o Palácio do Ingá e o Caio Martins, ambos na Zona Sul. Localizações privilegiadas, que impulsionam prestígio político. Já os espaços no Centro, mesmo com alto potencial funcional e simbólico, são ignorados. O prédio em ruínas da Marechal Deodoro é reflexo dessa escolha de onde investir, onde reformar, onde aparecer.

Revitalizar não é construir o novo ignorando o velho. É dar novos usos àquilo que já carrega história. É olhar para o Centro não como estorvo, mas como coração da cidade. A foto, com seus muros pichados e silêncio desconfortável, pergunta o que muitos cidadãos também querem saber: será que essa “revitalização” é para todos?

O Palacete da Praia Grande

O prédio histórico que abrigou a antiga Secretaria Estadual de Fazenda, localizado na Rua Marechal Deodoro, no Centro de Niterói, tem uma trajetória marcada por transformações profundas. Originalmente, ele pertenceu a um negociante de escravos conhecido como “O Cheira”. Posteriormente, foi adquirido por Dom Pedro I, que pagou 6.000$000 réis pela propriedade. A partir daí, passou a ser chamado de Palacete da Praia Grande.

Com a morte do imperador em 1834 e a elevação da vila à condição de cidade e capital da província em 1835, o palacete foi alugado pelo governo provincial para sediar a Tesouraria Geral e a Guarda Policial. Mais tarde, tornou-se sede do governo estadual até 1892, quando a Revolta da Armada levou à transferência da capital para Petrópolis.

Durante o período republicano, por volta de 1910, o então presidente do Estado, Alfredo Backer, ordenou a reconstrução do edifício, que passou a abrigar diversos serviços públicos. Essa rica história faz do prédio não apenas um marco arquitetônico, mas também um símbolo da evolução política e administrativa do Estado do Rio de Janeiro.

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Gilson Monteiro
Iniciou em A Tribuna, dirigiu a sucursal dos Diários Associados no Estado do Rio, atuou no jornal e na rádio Fluminense; e durante 22 anos assinou uma coluna no Globo Niterói. Segue seu trabalho agora na Coluna Niterói de Verdade, contando com a colaboração de um grupo de profissionais de imprensa que amam e defendem a cidade em que vivem.
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13 thoughts on “Memória em ruínas: o esquecimento estampado no Centro de Niterói

  1. Parabéns por mais essa brilhante matéria.É um retrato de um país sem memória.Muitos prédios públicos abandonados em Niterói, inclusive particulares,na Saldanha Marinho com Visconde de Itaboraí tem um palacete particular abandonado.Tudo errado, só visam votos,o bem comum fica no esquecimento.Em uma cidade que tem IPTU E PASSAGENS MAIS CAROS DO PAÍS,FAZ-SE POUCO,MUITO POUCO.LAMENTÁVEL.

    1. A Rua Marechal Deodoro é ponto para assaltos. Completamente deserto a noite, sujeita para onde olhar. Lojas velhas caindo aos pedaços. Esse prefeito só visualiza zona Sul onde os turistas se encontram. O esgoto de Icaraí é mas velho do país. Quando chove são ratos. Lixos jogados pelos moradores enfim. As ruas do centro de Niterói é uma vergonha, andar a noite nelas é um risco total, mendigos deitados em colchões pelas grandes calçadas. Banheiro público a vista. Mal cheiro, enfim cadê o Rodrigo Neves?

  2. Excelente trabalho, difundir o conhecimento valorizando a nossa história é importante para que nos reencontremos e nos reconheçamos.

  3. Verdade, esses atuais “governantes” municipais somente se preocupam com seus amigos e correligionários, oferecendo cargos bem comissionados e com verbas polpudas, onde o “empreguismo” é a tônica para se reelegerem ininterruptamente, quanto ao patrimônio cultural arquitetônico da cidade, precisa ser mais um “cabo eleitoral”, senão, desnecessário, pois não trará dividendos eleitorais. Cafajestes travestidos de qualquer autoridade!

  4. Faça também uma reportagem sobre o prédio que pertenceu ao TCE, situado na Jansem de Melo ao lado da saída da ponte rumo à Regiao Oceânica e que foi doado ao estado que NUNCA foi utilizado e que foi invadido por moradores em situação de rua, depenado, pilhado e abandonado

  5. Acho um absurdo. Esse prefeito quer visibilidade para próximas eleição. Fica enganando com obras com matérias de qualidade duvidosa para ter que ser feito tudo novamente para ganhar em dobro.Digo isso porque vi aqui na Ciclovia de Piratininga. A única coisa que esse prefeito fez de bom, e agradeço foi o Túnel de Charitas. Quer que seja lembrado? Administre melhor. Mantenha a história de Niterói.

  6. Bom dia! Infelizmente isso e uma prática do poder público, tanto Municipal, Estadual e Federal, deixam a nossa história ser destruídas e depois vem com uma verba astronômica para restaurar aquilo que já foi perdido.vou dar um exemplo na casa de Norival de Freitas (Solar), fiz uma visita guiada e fiquei decepcionado, porque , tudo que eu perguntava não era original. A prefeitura de Niterói esperou o prédio ficar em ruínas. Outro exemplo clássico foi o Museu Nacional, na época precisava em torno de 5 milhões de Reais para fazer obras diversas e contra incêndio, esperarão pegar fogo, perdemos a nossa história e agora o custo da obra será em torno ou mais de 500 milhões de reais e sem as histórias perdidas com fogo.

  7. Ainda não tinha lido um texto onde expusessem com tanta acertividade o que o Prefeito Rodrigo Neves está fazendo com Niterói para ganhar visibilidade para que, no próximo ano, ele possa lançar sua candidatura a governador do Estado do Rio de Janeiro.

    Para ele, Niterói não interessa. O que interessa é a percepção que as pessoas possam ter dele, como um Prefeito capaz e preocupado em reformar a cidade.

  8. Caro Gilson Monteiro, não sei se teve o oportunidade de conhecer e ler o livro “Marechal Deodoro, a rua do Imperador”, de minha autoria. A partir da Marechal Deodoro eu revisitei o centro histórico de Niterói. O livro foi lançado em 2010 e infelizmente não recebeu nenhuma atenção por parte das autoridades niteroiense. Já nessa época falava-se em revitalização do centro de Niterói.
    Lá se vão 15 anos e nada! Um abraço Regina Costa

  9. Parabéns poderoso Gilson monteiro. Seu artigo e uma boa aula de História de Niterói (e do Estado) tão carente de informações culturais que saciem a sede de cidadania dos cidadãos desta cidade que imortalizou Araribóia e o primeiro prefeito José Clemente Pereira..

    1. Excelente artigo.
      Nossos gestores têm sérios problemas com a memoria instituci9nal, coletiva, individual e a sua propria. O negocio é fazer obra para atender aos possiveis anseios de futuros investidores, independente da necessidade, estudos sérios, pensar a cidade como um todo heterogeneo e rico em memorias que impactam no amanhã se o hoje nao dialogar todos os segmentos sociohistoricos.
      Sao Lourenço, bairro originario deste mu icípio, que sofre o abandono secular.
      O Marajoara Clube partiu só restando o esquife abandonado. O cemiterio dos escravizados em Charitas que nem referencias historicas o povo de la conhece.
      Pois é… Rua Marechal Deodoro a finada rua dos móveis. Até o Caminho Niemeyer seco, sem árvores, sem humanos, sem segiutança, mas com excesso de sobreviventes no entorno.
      A cidade divulgada como Cidade Sorriso precisa urgentemente de um bom tratamento dentário.

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