Na opinião do antropólogo Lenin Pires, professor do Departamento de Segurança Pública, do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense (UFF), o que se observa em Niterói é a ação de ladrões com o concurso de traficantes de drogas que precisam fazer caixa para tomar territórios de facções rivais realojadas em Niterói e São Gonçalo pelas UPPs, que não teriam lideranças consolidadas, mas lutam para se estabelecer em novas áreas.
A ocupação militar de favelas cariocas através das UPPs, sem ter sido acompanhada de políticas de inclusão social, resultou na dispersão de criminosos e marginais em diferentes áreas da Região Metropolitana. “Esse fenômeno se percebeu em todas as cidades circunvizinhas ao Rio de Janeiro. Em Niterói não foi diferente, sendo o bairro do Fonseca o mais fortemente atingido. Entretanto, para que se entenda por que os roubos, assaltos e outros crimes que aumentam a sensação de insegurança em áreas mais bem aquinhoadas da cidade de Niterói, é preciso levar em consideração outros elementos”, diz o professor.
— No momento atual, se soma um processo igualmente complexo de reconfiguração das facções que atuam no tráfico de drogas. As disputas territoriais em curso, em decorrência dessas migrações referidas, se agudizam diante de um outro fato: a ruptura entre as duas principais facções em atuação em todo o país – Comando Vermelho e PCC (originalmente, paulista) – com desdobramentos gramáticos envolvendo as tradicionais disputas do CV com as outras facções locais: TCP e ADA. Esse cenário extremamente complexo está por trás do enorme crescimento nos índices de roubos de carga observados na Região Metropolitana do estado, em particular na capital. Portanto, o que se percebe nas áreas mais bem aquinhoadas é uma conjuntura na qual se combinam a ação de ladrões que sempre se dedicaram a essa modalidade criminosa com o concurso de outros criminosos interessados em fazer caixa para a estratégia principal: a tomada de pontos de venda de drogas pertencentes a grupos rivais.
Estudioso da segurança pública, Lenin Pires admite que “o quadro é de grande complexidade e lidar com ele requer planejamento, inteligência e ações coordenadas e integradas entre as mais diferentes agências de segurança pública”.
— Ainda que cada uma atue em “seu quadrado”, é muito importante que a população se sinta fortalecida a partir da presença visível e nas mídias informativas das forças de segurança que devem atuar com planejamento de curto, médio e longo prazo. No curto prazo, me parece que a integração de forças é fundamental. No médio prazo, será preciso envolver a sociedade numa redefinição de uma política pública de segurança voltada para permitir a atuação policial com garantias de promoção da lei e da ordem, com apoio da sociedade e voltada para a promoção democrática da justiça. No longo prazo, será necessário o desenvolvimento de políticas includentes dos mais variados estratos da população, incidindo sobre políticas de educação gratuita e de qualidade em todos os níveis e de promoção do emprego – diz Lenin Pires.
Ele ressalta que, “numa conjuntura destas, um governo impopular como o do presidente Michel Temer não tarda em mostrar serviço frente aos setores da sociedade com capacidade de impactar a chamada opinião pública. A demonstração de força das organizações militares nas ruas não será para sempre e, convenhamos, não será ela que vai resolver a grande questão: qual seja, o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a promoção de regras democráticas e igualitárias para o convívio pacífico entre os membros da sociedade. E não vai fazer isso por que não é de sua natureza, nem sua atribuição. A militarização da segurança pública está soando como um cachimbo pesado, que além de deformar a boca, faz com que a mesma exale o fétido odor do autoritarismo que, me parece, não seria a intenção dos profissionais que nela atuam, mas a saída de políticos oportunistas para os quais a democracia não parece fazer nada bem”, conclui o professor.
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