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Obra traz à lembrança tempo em que se comia cobra em Niterói

Escrito por Gilson Monteiro às 12:18 do dia 15 de dezembro de 2022
Sobre: Revelações arqueológicas
  • Cobreloa demolido
15dez
A obra prevê a construção de um largo, em formato de rotatória, na Rua Mem de Sá

Quando passei nesta quarta-feira (14) pela Miguel de Frias com Mem de Sá, em Icaraí, minha memória tomou um susto. A prefeitura mandou demolir um prédio que guardava histórias de uma época em que se comia cobra em Niterói. A obra que está custando R$ 5,5 milhões ao município é, segundo a prefeitura, para a instalação de uma rotatória a fim de organizar o trânsito naquele cruzamento movimentado.

Consultando meus alfarrábios, relembrei do tempo em que boêmios e ecologistas travaram uma batalha gastronômica naquela esquina. Os primeiros adoravam o filé de jiboia como tira-gosto, até que os outros conseguiram mobilizar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), que proibiu o Bar Cobreloa (demolido ontem) de vender as iguarias com carne de cobra e até de jacaré.

O filé de jiboia e a carne de jacaré cozida eram dois pratos que atraiam a freguesia de pratos exóticos. Vinha gente do Rio e de São Gonçalo, e às sextas-feiras, das 8h às 22h, o Cobreloa vendia, em média, dez quilos dessas carnes especiais.

Nos meus arquivos verifico que a carne de serpente era vendida ao bar por um fazendeiro de Silva Jardim. Ele criava as jiboias e também se encarregava do abate e da limpeza da carne antes de entregá-la ao Cobreloa. Já a carne de jacaré os donos do bar nunca revelaram sua procedência, provavelmente seria de algum alagado daqui de Niterói, mesmo.

Nos anos 80, o Cobreloa passou a fazer tanto sucesso, lotar e virar notícia na imprensa chamando a atenção dos ecologistas. Estes abriram a boca e atraíram ao bar fiscais do Ibama. Em meados de 1988, a casa foi proibida de servir aquelas duas carnes. O bar, no entanto, continuou servindo outras atrações culinárias. O testículo de boi, a carne de rã à milanesa, o pé de porco, a dobradinha com feijão e uma infinidade de tira-gostos foram mantidos no cardápio.

Do outro lado, “desquite” era atração

Do outro lado da Rua Mem de Sá funcionava o Orquídea, bar com nome de flor, que tinha uma varanda grande e amplo balcão. A casa ficou famosa por servir uma batida de limão que a clientela chamava de “desquite”. Isto porque as mulheres tinham ciúmes dos maridos que ficavam mais tempo naquele bar do que em casa. Eram atraídos pelo “limão” preparado com esmero pelo Ney, por três décadas pilotando a coqueteleira.

Ney não gostava de revelar seu segredo, mas um dia acabou contando a um repórter como fazia a tão apreciada batida de limão do Orquídea: “Corta-se ao meio um limão de casca fina e mistura cachaça, açúcar e gin. O segredo está em usar colher de pau para mexer a batida, além de um bom espremedor para extrair o sumo do limão”.

O Orquídea tinha uma enorme clientela de boêmios porque fechava às cinco da matina, mas abria duas horas depois para servir média com pão e manteiga. Nas noites de sábado, vendia 20 litros de batidas de limão nas mesas e nos balcões e 15 litros para viagem.

Só na terra do cacique Arariboia poderiam ter existido o Cobreloa e o Orquídea, dois bares que, por décadas, foram templos da boemia e da alegria de muita gente.

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Gilson Monteiro
Iniciou em A Tribuna, dirigiu a sucursal dos Diários Associados no Estado do Rio, atuou no jornal e na rádio Fluminense; e durante 22 anos assinou uma coluna no Globo Niterói. Segue seu trabalho agora na Coluna Niterói de Verdade, contando com a colaboração de um grupo de profissionais de imprensa que amam e defendem a cidade em que vivem.
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14 thoughts on “Obra traz à lembrança tempo em que se comia cobra em Niterói

  1. Comi jibóia sem saber que era, oferecida pelo grego Atanásio, um dos donos do Cobreloa. O ano era 1984, por aí… o bar era super agradável e a comida, maravilhosa!

  2. Aproveitando a excepcional reportagem, gostaria de saber se o nome da nova praça que está sendo construída, será o do nosso querido benfeitor Monsenhor Elídio Robaina, o Padre dos Pobres, falecido em Junho deste ano.
    Digno de nosso respeito e merecimento.

  3. Frequentei o orquídea algumas vezes,antes do grupo A Mineira comprar.
    Era um ambiente de nostalgia pura.
    O cobreloa por algumas vezes tomei cerveja e almocei,mas nunca imaginei que fosse essa potência histórica de Niterói.
    Que belo relato seu,que história fascinante.
    Embora o nome faça todo sentido,jamais imaginei que fosse por essa razão.

    Uma pena a prefeitura ignorar a história boemia da cidade.
    Não sou nascido em Niterói mas já moro aqui há 2 décadas.
    Me casei com uma Niteroiense e hj tenho um filho da cidade.
    Frequentei com minha esposa(que na época era namorada) muitos lugares aprazíveis de Niteroi,lugares que já não existem.
    Saudades da “noitada” DE Niteroi.
    Saudades do saco de Niterói
    Saudades do fim de noite no ponto jovem
    Saudade de ir no lê Village
    Saudades de namorar no naval ou no parque da cidade
    Saudade de Itacoatiara.
    Saudade da Roberto Silveira mão dupla.
    Saudades de atravessar a ponte pra namorar em Niterói.

    Parabéns, Gilson,pela bela e saudosa lembrança.

    Abraço.

  4. gostei da matéria muito bem apresentada gosto muito da cidade de Niterói sou do rio de janeiro mais sempre que posso vou a praia em Niterói e um lugar que me sinto bem.

  5. Coloquei meu primeiro pé no Rio vindo de Minas e advinha onde fui parar pra tomar uma e comer um tira-gosto? Justamente esses dois preciosos lugares👏👏 que saidade dessa nossa kerida Niterói 😍

  6. Niterói está se transformando na cidade do caos. Voltaram a subir prédios e mais prédios nos poucos espaços e casas que ainda teimam em existir, trânsito insuportável a qualquer hora do dia, as praias para quem pode frequentar durante a semana vc ainda consegue ter um pouco de paz. Clima de cidade do interior já acabou faz tempo. Casas e chácaras isso sim era tranquilidade. Por isso estou me mudando para uma cidade do interior que nem vou falar, pois vai que vem um monte de chato atrás querendo conhecer 🤣🤣🤣🤣🤣.

  7. Saudades dessa época !!! O fundador do Orquídea foi o simpático e saudoso italiano Giovanni, que por anos administrou a casa !! Seu braço direito era o querido Machado, que por anos ( antes do Ney) era o rei da batida de limão mais famosa de Niterói . Depois deixou a Orquídea para abrir seu próprio negócio na rua Marechal Deodoro, que talvez pelo ponto, pouco durou !!!

    Como vc bem disse, do outro lado da rua, o Bar Cobreola , que sem duvidas marcou uma época na cidade, em especial as sextas feiras, com seus famosos pratos de Jiboia e Jacaré, reunia um selecionado grupo de procuradores, defensores públicos, jornalistas e uma enorme gama de profissionais autônomos, num ambiente de ótimas conversas !!!

    Um fato estranho e engraçado e nunca decifrado, foi que logo após o IBAMA, proibir o Cobreola de servir carnes de animais selvagens, nasceu um novo ponto, que boa parte dos fãs do Cobreola passaram a frequentar, Era naquela até então famosa pastelaria e caldo de cana, situada no alto da serra de Mato Grosso, onde se espalharam diversas plaquinhas nas arvores já próximo da pastelaria, anunciando ” Carne Parecida Com Paca “, ” Carne Parecida Com Jacaré ” , “Carne Parecida Com Jiboia” kkk. Resumo, durou pouco, com a visita do IBAMA !!!

  8. Aos poucos a identidade cultural e arquitetônica de Niterói é “apagada do mapa ” e de fato recorrente prática da prefeitura.
    Aliás , assim como lá, o niteroiense é uma espécie em extinção .

  9. Excelente matéria.

    No Cobreloa quase enfartei, ofereceram a carne de cobra, me enganando,

    No orquídea que limão, da saudade,

    Aproveitando a oportunidade sabe nos informar a quanta anda a revitalização do centro.

    1. Tinha 7 anos em 1978, e lembro que meu pai me levava com ele para o “ORQUÍDEA” depois de jogar bola no “ 5 de julho” !
      Lembro que bebia mineirinho caçulinha e comíamos uma casquinha de Sirí maravilhosa! A batata frita era de verdade!
      Bons tempos !!!

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