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Uma viagem no tempo pelo Centro de Niterói

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Pelo que sinto, as pessoas continuam saudosistas, principalmente nesse momento de quarentena, sem data certa para sair do isolamento, tendo todo o tempo do mundo para pensar em coisas boas e as contrapor com as imagens tristes estampadas nas telas da tevê.

Por isso, vamos fazer uma viagem de um pequeno trecho do passado, com cerca de um quilômetro, entre três ruas que se interligam no Centro, relembrando points de guloseimas e bebidas diferenciadas, que marcaram época na ex-capital fluminense, nas décadas de 50 a 70.

Vou começar pela rua da Conceição, voltando en passant à Leiteria Brasil para falar do seu levíssimo creme chantili, de sua imbatível coalhada e de seu pudim com ameixa, da torrada Petrópolis e do sanduíche americano, que deixam água na boca até hoje.

Mais adiante, ficava a Sorveteria e Pizzaria Italiana, trazendo a novidade de fazer o sorvete artesanal com sabores variados, diferenciando do industrializado da Kibon.

Outra atração da casa que agradava, e muito, era a pizza. Só havia a de mozarela, regada com um molho especial de tomate, cortada em fatias e servida num guardanapo vermelho.

Mais adiante, a padaria Solmar oferecia uma variedade de produtos feitos de trigo. Pães, bolos, biscoitos, tortas, muitos salgados, frangos temperados rodando na assadeira, e numa das entradas um balcão com frutas da estação.

Era só atravessar para o outro lado e voltar que dava de cara com a Sportiva, com seu balcão de vidro na entrada, repleto de salgadinhos e doces deliciosos. Rissoles de camarão, lombinho empanado, bolinho de bacalhau, pastéis e empadinhas de diversos recheios, ovo empanado, coxinha de galinha, croquete de carne eram consumidos ali. Muitos fregueses levavam para casa um delicioso bolo de frios ou o de laranja.

Entrando na confeitaria o freguês achava de tudo um pouco, desde queijos e fiambres importados, vinhos, charutos, cigarrilhas, fumo de rolo e de corda, além de um pequeno bar no fundo, com poucas mesas, onde se podia beber um legítimo uísque escocês.

Seguindo mais adiante a gente encontrava A Riviera. O bar tinha na parede da entrada um aquário grande, com peixinhos coloridos se movimentando e chamando a atenção. Havia um sobradinho onde podiam ser degustados salgadinhos, pequenas porções de petiscos e refeições, além de cerveja bem gelada e drinques.

Na esquina com a Visconde do Rio Branco, o bar Santa Cruz tinha um café fresquinho, que todo mundo tomava antes de pegar ou chegar da barca da Cantareira. Nas prateleiras de vido junto ao caixa ficavam os maços de cigarro à venda. No sobrado ficava um salão com mesas de sinuca. Dois engraxates italianos, os irmãos Emílio e Raphaele Vairo, deixavam brilhando os sapatos dos que se sentavam nas cadeiras altas, ao lado da porta do sobrado.

Do Santa Cruz, seguindo pela Visconde do Rio Branco, chegava-se a Hidrolytol, que dividia a entrada da loja com o Mundo Lotérico. Do lado direito e até os fundos da loja, funcionava um ponto de jogo do bicho e de apostas do Jockey.  Joãozinho, um anão que circulava por toda a área, vendia bilhetes de loteria.

No fundo da parede de uma enorme bancada da loja, o anúncio: “Se o álcool te atrofia, o hidrolytol te alivia”. No verão, havia fila para tomar o hidrovita, vendido numa garrafa grande e que, quando colocado no copo de vidro, borbulhava de frescor. Os donos guardaram a fórmula a sete chaves, não revelando o segredo nem para os empregados. Diziam que fazia bem ao estômago, principalmente, para quem abusava de bebida alcoólica.

Refrescos também eram colocados em tonéis, com as torneiras aparentes no balcão, destacando-se o de abacate e laranja, tendo ainda o de maracujá e abacaxi.

Ao sair para a calçada, já se começava a sentir o cheirinho de pão quente, da padaria Modelo. Era uma fornada atrás da outra, a todo instante, para dar conta da fila de gente comprando bisnagas ou pãozinho francês.

Nos balcões de vidro da Modelo, broas de milho, pães com cobertura de creme, maçã, banana, goiabada, abacaxi. Dentre os doces, um destaque especial para os sonhos de chocolate e de creme.

Ao lado da padaria o moderno Cine Central, com ar refrigerado, por um bom tempo somente podia ser frequentado por quem estivesse vestido com traje passeio. Os homens só podiam assistir ao filme de paletó.

Na esquina da José Clemente, o Café Sul América se encontra até hoje, resistindo heroicamente para manter o tradicional cafezinho e uma pequena tabacaria, para alegria dos velhos e inveterados fumantes.

Subindo pela José Clemente, do lado esquerdo, estava o movimentado salão Sul América, onde os homens importantes ou não da cidade poliam as unhas das mãos, aparavam seus bigodes e cortavam os cabelos. Estes também recebiam uma leve pintura para adiar por mais tempo a cabeça grisalha.

Chegamos ao Galeto, hoje instalado do lado esquerdo da José Clemente. O restaurante mantém seu cardápio tradicional, tendo como carro chefe o imbatível galetinho.

Finalmente, onde era a pastelaria Imbuhy com seus enormes pastéis de queijo, carne e camarão, acompanhados de caldo de cana, uma réplica da barca que originou o nome da casa, giravam na parede do fundo, como se estivesse atravessando a Baía de Guanabara, era um destaque a parte.

Encerrando o tour, voltamos à Praça Martim Afonso onde o cacique Arariboia permanece impávido. De braços cruzados, olhar fixo na baía de Guanabara, do alto de seu pedestal ele testemunhou ao longo desse tempo todo o fim daquele comércio que movimentava o Centro de Niterói. Hoje o índio ainda quer entender por que, há quarenta anos se fala em revitalização do Centro, projetos consomem dinheiro público, mas todos esses planos têm morrido na Praia Grande.

Gilson Monteiro

Iniciou em A Tribuna, dirigiu a sucursal dos Diários Associados no Estado do Rio, atuou no jornal e na rádio Fluminense; e durante 22 anos assinou uma coluna no Globo Niterói. Segue seu trabalho agora na Coluna Niterói de Verdade, contando com a colaboração de um grupo de profissionais de imprensa que amam e defendem a cidade em que vivem.

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