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Coluna do LAM

O vento da Álvares de Azevedo

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Uma leitora escreveu reclamando de uma infestação de ratos na esquina de rua Gavião Peixoto com Pereira da Silva. Contou que há uns 40 dias chegava em casa por volta da meia noite e viu o amontoado de roedores num bueiro junto a calçada. Durante o dia passam por ali milhares de pedestres e – isolem na madeira – todo mundo sabe o que urina de rato causa.

Como eu terminava uma matéria sobre a lavagem das ruas de Niterói com desinfetante que a Clin está fazendo (boa! Mas deve permanecer, mesmo sem pandemias, desinfetar toda hora) peguei a bicicleta e fui lá na esquina dos roedores.

Agora entendo porque em seu e-mail a leitora disse que quando viu a cena sentiu vontade de vomitar. Parei a bicicleta do outro lado, uma da madrugada e vi a orgia dos ratos guinchando alto no silencio total da cidade deserta (quarentena e pandemia). Também senti vontade de golfar. A foto que queria fazer não saiu porque a luz estava fraca (aliás, a iluminação pública de Icaraí está caída*, lâmpadas queimadas na Tavares de Macedo em frente ao 95) e aquele espetáculo deprimente não rendeu foto nenhuma.

Desci a Pereira da Silva, peguei a praia e entrei na Alvares de Azevedo. Solitário na minha própria cidade, mas me sentindo bem. Não havia carros, ônibus, não havia gente, outras bicicletas, motos. A pandemia mostra que, apesar de tudo, parece que o mundo não faz sentido sem as pessoas, ironicamente seu maior predador.

Da praia entrei na Álvares de Azevedo e parei na esquina. Senti o que há muito tempo não sentia, o famoso “vento da Álvares”, uma brisa que vem da entrada da Baía de Guanabara e se torna “vento encanado”, que os exagerados do passado chamavam de ar condicionado natural.

No passado, a esquina pertencia a uns lendários caras mais velhos, meio barra pesada, temidos por todos nós adolescentes, que ficavam na esquina sem camisa curtindo o vento, falando mentiras e arrumando briga. Lembro que em um fim de tarde no Chalé, esquina oposta, Robertinho Sacanagem explicava detalhadamente a Canhão (grande cara, o Canhão!) e ao amigão Caíque Fellows como e porque o vento da Álvares vazia uma curva. Dizia, gesticulando que “encaixa certinho entre o cinema Icaraí e o edifício Álvares de Azevedo”, como se fosse um ônibus em alta velocidade. Infelizmente a situação se inverteu. Saiu o vento e entrou o ônibus e, pior, isso não é uma metáfora.

Parei a bicicleta na esquina deserta, olhando para aquele cenário que, incrível, continua igual ao dos anos 1970 (esqueceram de destruir). Deu para sentir o vento da Álvares bater, com a leve impressão de que ele queria ouvir uma estória, como ouvia no passado, no alarido daquela esquina. Pensando bem, não foi o vento que sumiu, a falta de tempo é que não nos deixa parar e sentir, ouvir os Beatles, via Lennon, cantar “Hey, you’ve got to hide your love away”, como ouvimos dezenas de vezes no cinema da esquina assistindo “Help”.

https://www.youtube.com/watch?v=REeMKxd4Zsc

Na esquina, iluminação fraca* (de novo!), a quietude da madrugada de quarentena, imaginei meu pai caminhando com Tio Paulo e minha mãe logo atrás com Tia Lúcia, parando para um papo rápido na Esquina do Vento da Álvares que, vim saber depois, é uma tradição muito antiga.

Aliás, uma vez jogando bola na Igrejinha (fundos do Santuário das Almas) ouvi Renatinho Tubarão dizer pra Banana “vamos lá no Vento da Álvares que está um calor do cacete” e fomos todos. Mas como a vida é um disco de vinil, logo tem um lado B, a Esquina do Vento era a melhor para a gente entrar cantando pneu nas madrugadas de sexta para sábado.

Sinfonia de pneus de Opalas, Corceis, Fuscões, Pumas, Aero Willys, Variants, varados pela praia depois de arrancarem no sinal da reitoria e entrar cantando na Esquina do Vento para delírio da multidão de símios que aplaudia a nossa absoluta falta de noção.

Dá até para ouvir Belchior cantar “eu era alegre como um rio/ Um bicho, um bando de pardais/Como um galo, quando havia/ Quando havia galos, noites e quintais”, mas a nossa canção com certeza seria “Sujeito de Sorte” (valeu, Belchior!): “Tenho sangrado demais/ tenho chorado pra cachorro/Ano passado eu morri/ mas esse ano eu não morro.”

Não éramos seis. Éramos muito mais, com os rádio-toca fitas Beltec ou TKR sintonizados na Mundial, Tamoio ou Eldo Pop, volume no talo nos carros de quem? De nossos pais que não tinham a menor ideia (há controvérsias) de que os seus comportados veículos de trabalho e passeio diurnos haviam deixado a garagem e virado transgressores da madrugada, reis da curva do vento da Álvares de Azevedo.

Foi uma viagem de cinco minutos na Esquina do Vento da Álvares. Subi na bicicleta e vim embora pedalando pelo meio da Álvares de Azevedo, lembrando que na altura do 140 jogávamos taco, frescobol, queimada e bombas, muitas bombas, no meio da rua.

Passei em frente ao prédio que fora a mansão dos americanos Zeb e Zentha, em frente a um outro edifício que tinha sido um palacete com uma gigantesca piscina e um pouco mais adiante, o prédio onde existia a marquise onde conhecemos a Preá de Nazaré.

*A luz âmbar de vapor de sódio começou a ser usada auto estradas na Europa e EUA no início dos anos 1980. Gastam menos energia, mas a iluminação é muito menos nítida do que as “platinadas” de vapor de mercúrio e similares e, claro, as de LED. Por isso, só eram usadas em estradas.

Com o passar do tempo perde a luminosidade e sujeira das coberturas das luminárias as transformam em breu. Muitas cidades, Niterói inclusive, colocar essas lâmpadas em área urbana alegando economia. A iluminação além de péssima, com o passar do tempo vai desaparecendo.

A prefeitura deveria pegar a Taxa de Iluminação Pública que pagamos (está lá na conta da Enel) e substituir a iluminação da cidade. Ficaria mais saudável e mais segura, tudo pago por nós.

Luiz Antonio Mello

Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.

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