A nova conspiração mineira tomou o Brasil e mostrou ao público uma nova MPB, claramente influenciada pelo rock, pelos Beatles, pelo cineasta François Truffaut (eles assistiram juntos “Jules et Jim” pelo menos 20 vezes, como Milton me disse em entrevista em 1997) pela vanguarda da vanguarda da vanguarda mas movida pela genialidade da poesia das Gerais, seus trilhos, trilhas, ferro, aço, diamantes.
Lembrei de um artigo que escrevi em junho de 2012:
“Esperei para assistir ao programa Som Brasil na Globo, que fez uma homenagem aos 40 anos do Clube da Esquina. Abriu com Milton Nascimento e Lô Borges cantando “Para Lennon & McCartney”, canção que (pouca gente sabe disso) foi composta na casa de O “Clube” alugou na praia de Piratininga, em Niterói. Na foto, Milton Nascimento (ao centro), Lô Borges (a sua esquerda) – o da direita não identifiquei – pegam onda na Prainha de Piratininga Sobre a sede do Clube em Niterói, escreveu Helson Romero no site do Museu Clube da Esquina:
“Chegou um ponto em que o Milton concluiu que precisava aproximar mais as pessoas que ele tinha carinho, que eram os parceiros – não tinha esse comentário, mas a gente notava isso. Os parceiros estavam lá em Belo Horizonte. Já tinha feito amizade com Ronaldo Bastos no Rio, mas os parceiros eram mais Brant, Lô, Toninho Horta. Parece que um dia deu um clique e o Milton falou: “Não, agora nós vamos gravar um disco. Tem que sair um disco excelente nosso…”.
Ainda não se chamava “Clube da Esquina”. Depois é que veio se dar o nome de “Clube da Esquina”. Então, em vez de nós irmos para Belo Horizonte, eles vieram para o Rio: Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta. Nós alugamos uma casa em Niterói – Mar Azul, na Praia de Piratininga –, de um amigo do Milton; se não me engano, era Paulo Romário o nome dele, que é até cego. Alugou-se uma casa lá em Mar Azul, Piratininga. E aí o Milton chamou todo mundo: “Vem para cá para a gente trabalhar em um disco aqui”. E aí vieram para morar no Mar Azul; só o Brant que ficou, porque ele trabalhava já como jornalista. Era advogado mas trabalhava n’O Cruzeiro. Me recordo que foram para lá Lô, Beto e Toninho Horta. Mas antes de alugar a casa em Mar Azul, eles foram requisitados para ir morar no Rio de Janeiro.”
Eles teriam se trancado na casa com um pacto: só poderiam sair quando Fernando Brant, Lô e Márcio Borges terminassem de compor as músicas de “Clube da Esquina”, na verdade uma esquina em Belo Horizonte onde eles batiam papo e tocavam violão, no final dos anos 60 e inventou detonou a nova música popular mineira.
“Conheci Milton pessoalmente na sala de baixo da casa do saudoso médico e terapeuta José Maria Monteiro de Barros, que ficava numa vila entre as ruas Álvares de Azevedo e Pereira da Silva, na Praia de Icaraí. Lembro bem. Eu estava sentado no sofá de baixo pensando na vida e contemplando os peixes que o Zé gostava de criar num aquário que ficava encostado a parede.
De repente, descendo a escada, vi aquele homem magro, negro, com um boné. Demorou a cair a ficha: era Milton Nascimento, de macacão jeans, completamente “Bituca” seu apelido desde Três Pontas, MG. Na época eu trabalhava como repórter da Rádio Jornal do Brasil AM, o jornalismo mais respeitado do Brasil e quando Milton vinha passando em frente ao aquário me apresentei.
“Acabei engatando um papo que, garanti, jamais seria publicado. Milton encheu a bola do nosso Zé Maria e fomos ele e eu, caminhando pela vila por volta das 11 da noite. Milton não é falador, ao contrário, parece mudo, mas não resistiu quando viu a lua cheia bem em cima de nós.
“Lá em Piratininga a lua era igual”, sorriu mansamente. Acabei perguntando um pouco mais sobre a estada do Clube da Esquina (ele, Beto Guedes, Lô Borges e Fernando Brant no comando) em Piratininga e o grande cantor e compositor disse que foi um dos melhores períodos de sua vida. Sorrindo levemente confirmou que “Para Lennon & McCartney” foi feita lá, mas “para que terminássemos a música, tivemos que trancar a porta da casa e proibir a saída de qualquer um. O Fernando quase enlouqueceu.”
“Bom, um carro o esperava na esquina da Praia com a vila do Zé Maria e ele foi embora. Antes, marcamos uma entrevista para uma semana depois, entrevista essa que acabou acontecendo com a participação de Zé Maria (saudade que eu sinto dele) na Fiorentina, no Leme, que era uma extensão de seu consultório.
“O papo começou por volta de 10 da noite e saímos de lá por volta das 3 horas da manhã. Zé, Milton e uma amiga do mineiro com olhos de diamante chamada Cristiana. Foi uma das melhores entrevistas que fiz em todos esses anos de jornalismo, uma homenagem que quis fazer ao jornalismo, ao Zé Maria, ao Milton, cujos discos “Minas” e Geraes” não saíram de meu toca-discos ao longo de anos e, é claro, ao Clube da Esquina de Piratininga. Ali em “Minas” está a melhor versão de “Paula e Bebeto”, parceria de Milton com Caetano.
“Fiquei muito feliz em saber que Milton Nascimento guardou a minha cidade, Niterói, com carinho em seu cofre afetivo. Como ele viveu histórias incríveis na minha terra. Impressionante. E essas histórias foram só uma parte. Fico aqui imaginando o que ele deve ter contado pro José Maria Monteiro de Barros, nosso terapeuta, amigo, enfim, o que posso dizer de um gênio afetuoso e que dedicou a vida aos outros?
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