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Coluna do LAM

A ligação Eddie Van Halen e o Samanguaiá de Pierre Farsoun

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Quando recebi a mensagem do amigo André Valle informando a morte do giga guitarrista Eddie Van Halen, terça-feira, minha cabeça voou. Foi lá atrás.

Final de 1982. Rua Visconde de Itaboraí 184, Centro de Niterói, sede do então Grupo Fluminense de Comunicação que agregava o jornal O Fluminense e as rádios Fluminense FM e AM.

Na portaria, um mexicano com pinta de cafajeste, falando um dialeto enrolado que nem asteca entenderia, conseguiu convencer o porteiro a ligar para o 10º. andar e dizer que ele estava sendo esperado.

Estava mesmo.

Era o empresário do setor latino da turnê da banda norte americana Van Halen que veio tocar no Brasil em janeiro de 1983, e queria que a Rádio Fluminense FM fosse a emissora oficial. Esperto, ele sabia que a Maldita era a única por aqui que tocava Van Halen direto.

Na época, o superintendente do Grupo Fluminense era o Ephrem Amora que, logo que entramos no carro, disse para o motorista “toca pro Samanguaiá”. Além dele, estava o também saudoso Carlos Lacombe (gerente de promoções de rádio) e eu.

O mexicano falava sem parar. Ninguém entendia nada. Ephrem comentou “gozado, ele usa três relógios no pulso”, o cara entendeu, explicou que era por causa do fuso horário dos meus “clientes”, ou seja, o Van Halen. Antes de marcar a reunião liguei para a gravadora da banda, a Warner e o presidente André Midani confirmou que o sujeito era mesmo o representante do Van Halen por aqui.

“Você vai comer o melhor camarão da sua vida”, Ephrem disse a ele, que fez que não entendeu, mas entendeu sim. Camarão é uma iguaria multinacional.

Foi na mesa do Samanguaiá, em Jurujuba, que foi feita a negociação, regada a muita água mineral, Coca Cola e a pérola rosada, os famosos camarões. A Rádio Fluminense FM daria chamadas do show da banda no Macaranãzinho e, em troca, teria a assinatura de emissora oficial. Foi quando fiz o adendo. Gostaria que o Eddie Van Halen viesse a Niterói almoçar com o pessoal da rádio. No Samanguaiá, é claro. O mexicano disse que isso era mole “oh, oh, oh…fácil, ele vai adorar vir aqui”.

Ivan Pavlov ensinou que não devemos estimular as glândulas salivares da ganância, por isso não confessei que era fã do Eddie, músico monumental, etc, etc, etc e que conhecê-lo, ainda mais almoçar com o cara, era mais importante do que confessar para três papas aos mesmo tempo, conversar sobre o arraial de luxúria que habita o inconsciente dos bípedes mamíferos ditos inteligentes.

A reunião acabou, deixamos o mexicano na Praça Arariboia, voltamos para a rádio onde produzi a chamada. “Van Halen no Maracanãzinho, show imperdível que a Maldita está trazendo…”.

Ia tudo muito bem, os dias quentes (mas não como atualmente) cavalgavam normalmente até que alguém abriu a porta da nossa sala e soltou a bomba: “Tem chamada no show do Van Halen na rádio tal que assina como promotora do evento”. Ou seja, o mexicano safado vendeu mais caro e tirou a Fluminense FM da assinatura e negociou com outra.

A nossa sala parecia uma montanha de gorilas em ataques de fúria. Lacombe pegou o telefone, ligou para várias pessoas querendo saber em que hotel o mexicano estava hospedado, queria ir lá dar uma surra “fazer aquele safado cacarejar na calçada”. Eu disse “calma Lacombe” com nenhuma convicção porque, no fundo, desejava ir junto dar uma lição naquele canalha. Fiz pior. Desci para o estúdio e gravei uma chamada mais ou menos assim:

– A Rádio Fluminense FM comunica que não tem mais nada a ver com o show do Van Halen no Maracanãzinho. Não temos nenhuma responsabilidade se o show não acontecer e se não devolverem o dinheiro dos ingressos, enfim, a Rádio Fluminense FM não é cúmplice de qualquer trambique.

Pus no ar.

Foi um pandemônio. Um tsunami de ouvintes telefonava dia e noite perguntando o que houve, gente querendo o dinheiro de volta antes da data do show, jornalistas querendo notícias. Para mim, além de levar um banho (sensação horrorosa, todos sabemos) eu não iria conhecer o Eddie Van Halen e muito menos almoçar com ele no Samanguaiá.

A gravadora entrou na história tentando por panos quentes, apesar da gente explicar que sabíamos que a culpa não era dela, mas daquele safado. Por isso, dois dias depois tiramos o aviso do ar e a gravadora acabou pagando anúncios convidando para o show.

Mas e o Eddie Van Halen? No dia em que desembarcou no Galeão, teve que carregar as próprias malas, mas estava eufórico. Tinha acabado de ser eleito, pela quarta vez, o melhor guitarrista de rock pelos leitores da revista Guitar Player.

– Tenho recebido muito cumprimentos, de Carlos Santana, Andy Summers, do Police, e até de Frank Zappa, que sempre admirei. Ele disse que eu tinha ‘reiventado a guitarra elétrica’. Não é tanto assim”, disse, humilde, à Folha de S. Paulo.

Mas ele reinventou mesmo a guitarra.

Foi quando um emissário ligou para a minha casa com data e hora de meu encontro com o Eddie. Pedia, apenas, que eu não dissesse a ninguém porque era uma agenda reservada.

Eddie saiu do elevador pontualmente as 4 da tarde. Cumprimentou os funcionários e sentamos num canto. Claro, a gravadora cedeu uma intérprete porque meu inglês não segurava e começamos o papo.

Ele pediu uma cerveja (depois experimentou Fogo Paulista), eu uma Coca Cola e comecei a falar das influências do Jimi Hendrix, Jimmy Page e Frank Zappa. O Eddie Van Halen em minha frente era um cara tranquilo, centrado, simpático, bastante falador, gostava de papo sério.

– A música é a minha razão de viver, fora isso meu pai era músico de orquestra e como eu e meu irmão (Alex Van Halen, baterista), vivia em turnê. Quando minha família deixou Amsterdã (onde nasci) e mudou para Los Angeles eu tinha sete anos e o Alex nove e naturalmente começamos a buscar música, rock. Mais tarde conheci três caras que construíram a minha base sonora: Jimmy Page (Led Zeppelin), Jimi Hendrix e Frank Zappa. Ouvi o “tapping” (https://tinyurl.com/y5o2dhgr ) pela primeira vez com o Steve Hackett (ex-Genesis) comecei a investir nisso e acabei desenvolvendo o estilo.  Ouvi e ouço muito Paganini, Roy Smeck (anos 1930), Jimmy Webster (anos 1950). Gosto muito de ensinar, passar adiante as descobertas para os mais jovens porque não adianta a gente trancar o que descobrimos numa gaveta.

Sempre desmonto as guitarras e construo “franksteins”, instrumentos com peças de diversas fontes. Atualmente uso guitarra Kramer, com pinturas personalizadas.   Um dia terei minha fábrica de guitarras e amplificadores* porque faço tudo pela música. A música é a minha vida, é a minha essência. Quando estou no palco, ao vivo, eu curto o som da banda, curto o Van Halen tocando como um fã, um prazer que não dá para explicar.

O papo que iria durar 30 minutos, passou de duas horas. Ele gostou, eu gostei. Lógico, não desisti:

– Quero muito que você conheça a nossa rádio e um dia gostaria que você almoçasse conosco num local mágico chamado Samanguaiá.

– São..manu…aua (risos). A gravadora sugeriu e estou ouvindo sua a rádio, muito boa.

– Samanguaiá (risos).

– Sim, irei, quero conhecer a rádio também. Quando voltarmos ao Rio por favor fale com a gravadora para agendar. Não esqueça!

Não esqueci, mas por causa das lambanças do mexicano Van Halen nunca mais voltou ao país. Aliás, a rádio acabou, o querido Pierre Farsoun partiu, o Samanguaiá fechou e o Eddie, caramba, o Eddie foi embora terça-feira, aos 65 anos.

Horrível.

Quer conhecer o Eddie Van Halen? Clique aqui e diga se já ouviu coisa igual: https://www.youtube.com/watch?v=L9r-NxuYszg

 

*Há uns anos, Eddie Van Halen fundou a EVH Gear, com vários modelos de guitarras, baixos, amplificadores. Cionheça aqui https://www.evhgear.com/

Luiz Antonio Mello

Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.

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