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Coluna do LAM

A estrela que abençoou Niterói

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Meados da década de 80, quase meia noite. Eu estava meio jururu mas sinceramente não lembro o motivo. Se é que havia.

O mês era dezembro, fazia calor, ouvia música (Supertramp) aos berros no carro.

Vinha do Rio e quando desci a ponte resolvi não ir para casa optando em seguir pelas barcas. Barcas, São Domingos, Ingá e quando fiz a curva da Itapuca, vi.

Vi no alto do Parque da Cidade uma grande estrela, luz muito branca, quase prata, solitária no meio da noite. Para comemorar o mês do Natal, a Prefeitura a colocou lá em cima, ao lado da rampa de saltos dos praticantes de voo livre.

Segui para Charitas e parei o carro de frente para o Morro da Viração, onde fica o Parque da Cidade. Fiquei contemplando a estrela. Só ela, nenhuma mensagem, nenhuma “decoração”, ou seja, nenhum estrago. A estrela pura, quase prateada, falava mais alto do que qualquer poema, qualquer dedicatória e acabei me emocionando, pensando nas vidas de minha família, dos amigos, da namorada, da cidade, da minha.

Deu vontade de pedir proteção para todos, mesmo sabendo que se tratava, “apenas”, de um objeto iluminado, mas a emoção me levou a pensamentos que alguns chamam de prece, oração. Sempre andei com uma câmera fotográfica pequena na bolsa, mas naquela noite o filme já havia acabado.

Entrei no carro e voltei para Icaraí, parando para abastecer num posto na avenida Roberto Silveira. Desci e ouvi uns taxistas falando da “luz”. Cheguei mais perto e eles estavam elogiando a estrela do Parque da Cidade, ou seja, não fui o único a ser tocado por aquela “aparição” no meio da noite.

Cheguei em casa uma duas da manhã e plec plec plec na máquina de escrever. Uma crônica para um jornal local onde colaborava na época, mas que não recordo qual era. Afinal, de 1973 até hoje faço questão de estar presente na mídia de Niterói e é com muito prazer que falo com milhares e milhares de conterrâneos todas as semanas aqui na super lida Coluna do Gilson, desde que ela nasceu na Web.

Lembro que publiquei a crônica em meu primeiro livro, “Nictheroy essa doida balzaca”, editado pelo saudoso Angelo Longo dono da Editora Cromos ; uma coletânea de textos, reflexões e muito humor.

Quando o texto saiu publicado no jornal (sem foto), num sábado, com chamadão na primeira página, alguns conhecidos me cumprimentaram na rua. Pensei até em republicá-lo aqui mas não estou achando o livro.

Naquele tempo não havia internet e os leitores mandavam suas cartas pelos Correios. Como Niterói ainda vivia sua fase lúdica, lírica, amistosa, alguns dos leitores me entregavam em mãos. Explico. Desde que comecei a escrever na mídia local, no dia da publicação ia para as ruas onde os jornais eram distribuídos. Distribuição gratuita em padarias, lanchonetes, farmácias etc. Nesses locais podia conversar com os leitores a quem pedia opiniões.

Sempre achei que a crítica é a melhor companheira de quem trabalha em Comunicação, mas no caso desse artigo sobre a estrela só recebi elogios.

Uma senhora de idade chegou a chorar na Rua Miguel de Frias porque, segundo ela, o texto lembrou momentos muitos felizes de sua família que vivia numa romântica chácara no Ingá. Quase chorei junto.

Durante a semana, recorde de cartas (recebemos até um telegrama), todas enaltecendo a estrela e a crônica. Como sou perfeccionista achei que poderia ter melhorado o texto, mas relevei para não estragar a festa.

Hoje, quando lembro desse momento penso que uma estrela dessas não causaria efeito algum porque a cidade virou “medialópole”, absorvendo todas as deformações do Rio como trios elétricos, Reveillon de pseudo celebridades na Praia de Icaraí e, por causa do preço acachapante e imoral da conta de luz, são raros os prédios que se enfeitam com luzes de Natal. Eu ia escrever que Niterói foi desumanizada mas seria forte demais.

Se eu fosse prefeito ia proibir qualquer evento na Praia de Icaraí que interrompesse o trânsito, seja procissão, parada gay, seja o que fosse. Os moradores do bairro padecem ainda mais com o trânsito já imóvel do bairro ao longo da semana, que tem como protagonista o para e não anda crônico da Rua Álvares de Azevedo. Com a praia fechada o padecimento é quintuplicado.

Esse artigo é apenas uma doce lembrança e homenagem a uma Niterói romântica que lutou para se eternizar, mas não conseguiu. Lembrança simples de uma estrela despojada que habitou a cidade por alguns dias e que fez muito bem as pessoas.

 

P.S. – Se algum leitor tiver foto da estrela, por favor envie para gilson@colunadogilson.com.br

 

P.S. 2 – Ouça o meu programa Torpedos de Itaipu, domingos e quintas feiras na Rádio Oceânica FM, as 22 horas. Na Região Oceânica de Niterói pega, muito bem, em 105,9. Na internet em www.oceanicafm.radio.br

Luiz Antonio Mello

Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.

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