Antes da construção da ponte Rio-Niterói e da lastimável dos Estados do Rio com a Guanabara, Niterói era uma pequena cidade romântica, lúdica, banhada de generosidade. Mas a ditadura militar decretou o casamento à força do Estado do Rio com a Guanabara no revoltante 15 de março de 1975, contrariando fluminenses e cariocas.
Pouco a pouco Niterói, que era a esplendorosa capital do Estado do Rio, foi perdendo o seu status e a sua intimidade. Para começar, a invasão da primeira horda de “estrangeiros” atraída para cá pelo insano boom imobiliário de meados dos anos 1970.
Foi quando ruas como a Moreira César, em Icaraí, tiveram suas casas e vilas demolidas dando lugar a prédios com dezenas de andares. Foi assim com a Praia de Icaraí, foi assim com o bairro todo, a cidade toda. A “copacabanização” de Niterói prossegue até hoje, tendo como “atriz coadjuvante” a insana favelização em rodas as regiões.
O que tem isso a ver com árvores de Natal? Tudo. Antes da derrubada a cidade era uma doce, calma e barulhenta (no bom sentido) província. Lembro, ainda pequeno, de rodar com amigos de bicicleta pela zona sul contemplando as belas árvores que eram enfeitadas com centenas (em muitos casos milhares) de bolas coloridas, luzes, sonhos. Íamos ao Fonseca, Vital Brazil, Santa Rosa, São Francisco, ainda quase deserto, muitas dunas espalhadas.
Não foram poucas as vezes que fomos convidados a entrar, ver as árvores e presépios de perto, tomar um refrigerante, comer castanhas, nozes. As casas viviam de portas abertas e como havia muitas árvores a temperatura ambiente era, pelo menos três graus mais baixa.
Não tínhamos a menor ideia de que a partir de 1975 a cidade seria fulminante rapidamente para dar lugar a essa deformação urbana que aí está. Cidade humana que tinha uma rádio patrulha circulando pela zona sul (um Fusquinha) que corria atrás de ladrões de galinhas. Havia os guardas noturnos municipais que ficavam a noite inteira caminhando vigiando a cidade (em especial árvores de Natal e presépios), sempre apitando para marcar sua presença.
Os burros sem rabo dos garrafeiros, bem como as carroças que entregavam leite fresco (com nata) em garrafas de vidro nas portas das casas que tinham ornamentos de Natal.
Alguns vendedores se vestiam de Papai Noel e até as barcas que ligavam Niterói ao Rio ficavam ornamentadas, recheadas de luzes, bem como os prédios que tinham, no máximo cinco andares. Como me disse essa semana um amigo “eu adoraria que aquela Niterói tivesse sido um sonho, mas foi real. E isso machuca mais”.
Uma boa parte dessa “civilização” não imaginária está no recém lançado e maravilhoso livro de fotos do lendário Carlos Ruas, meu mestre em jornalismo, chamado “Niterói de Outros Tempos – fotos festas e fatos”. Ao longo de várias décadas, Ruas clicou a cidade em sua intimidade. Intimidade que foi sequestrada pela perversa fusão.
A cidade continuaria festeira se boa dos niteroienses ainda vivesse aqui, mas muitos partiram, foram morar em outras cidadelas ou na Região Oceânica que abrigou muitos “exilados” da brutal especulação imobiliária da Zona Sul.
Hoje, andando pelas ruas as nove horas da noite, tudo deserto por causa do estado de sítio imposto pela bandidagem que assolou a cidade também a partir de 1975, lembro que, mesmo assim, o Papai Noel oficial da Cidade (há muitas décadas), Sohail Saud, continua trabalhando muito.
Passa o mês de dezembro inteiro visitando asilos, hospitais, orfanatos, creches populares com a sua roupa tradicional, barba idêntica e vai onde for chamado. O telefone do Papai Noel é 99948-3420.
As pessoas que puseram lâmpadas de Natal em seus prédios, mesmo que poucas, Niterói agradece pela lembrança de Natal. Como também agradece aos comerciantes e comerciários que usam gorros de Noel, enfeitam suas vitrines, celebram, mesmo que timidamente, a mais importante data do Ocidente.
Há ainda os que homenageiam o nascimento de Jesus Cristo com pequenos presépios que fascinam os olhos das crianças. Crianças que, quem sabe, num futuro não muito distante poderão restabelecer as tradições básicas da nossa festeira cidade: quermesses juninas com música típica, e não narcofunk, sertanejo, aché music e até sucessos internacionais de péssimo gosto. Reativar a tradição do Natal, data que, mesmo que indiretamente, comove todo mundo.
Nos anos 1970, indignado com o início da demolição da cidade, um amigo chamado Jajá (se exilou no sul de Minas), que como Carlos Ruas foi muito importante na minha formação profissional, tinha um sonho. Construir uma árvore Natal gigante sobre a Pedra de Itapuca. Bem relacionado, ele até conseguiu um projeto impecável da árvore, feito por três engenheiros, que resolveram tudo: eletricidade para as luzes e até materiais a prova de vento para a árvore, já que a Itapuca fica na reta da boca da Baía de Guanabara, de cara para o vento sudoeste que traz as tempestades de verão. Levou na prefeitura e nada.
Fica aqui uma sugestão para a Prefeitura de hoje: em 2018, por que não construir essa árvore sobre a pedra que melhor simboliza a cidade? Quem sabe empresas locais (tradicionalmente unhas de fome), patrocinam o projeto? Quem sabe a atitude estimule os cidadãos a aderirem ao Natal com mais luzes, mais sonhos, mais festa, como em Curitiba, Gramado e dezenas de outras cidades pelo país? No mínimo vai contribuir para o hoje medíocre turismo de Niterói.
Niterói merece.
P.S. – Das 10 da noite do dia 31 até as 6 horas da manhã de primeiro de janeiro a Rádio Oceânica FM vai tocar uma programação especial de Reveillon. A seleção musical será bem ritmada e promete esquentar as festas espalhadas por aí. Na Região Oceânica a rádio pega em FM 105,9. Na internet, som para todo o planeta, em www.oceanicafm.radio.br
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