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Niterói, uma cidade sempre ligada ao rádio

Escrito por Luiz Antonio Mello às 08:10 do dia 28 de março de 2020
Sobre: Nossa história
28mar

Durante a semana, Gilson Monteiro escreveu artigos sobre pessoas e momentos de Niterói, de hoje e do passado. Uma cidade singular, rara, cheia de histórias curiosas. Gostei.

Niterói sempre foi muito ligada a comunicação como um todo e ao rádio em especial. Nos anos 1970, com a explosão dos jornais de bairro de distribuição gratuita, a cidade chegou a ter 20 títulos circulando. O niteroiense gosta de se informar, bater papo, ouvir rádio, assistir TV.

Pena que a cidade, hoje, não tenha nenhuma emissora local e o motivo é uma falha na cultura empresarial local: falta de anunciantes. Niterói é uma das poucas cidades do mundo que não acredita em propaganda, acha que o precioso investimento é despesa, acredita que provinciano (no mau sentido) boca a boca resolve tudo, o que explica o histórico abre e fecha de empresas. Em Niterói já vi, mas não acredito em disco voador e patrocínio.

Já era assim nos anos 1960, mas a cidade era capital do Estado do Rio, sede do poder e, por isso, a mídia era muito mais forte. Na Praia das Fechas (foto), quase a esquina com Paulo Alves, havia um belo casario onde ficava a emblemática Rádio Difusora Fluminense, por onde passaram Roberto Carlos, Cauby Peixoto, Chacrinha, Carequinha (o eterno palhaço) e muitos outros.

Eu era muito pequeno mas lembro bem que um dia me levaram a Rádio Difusora Fluminense. Foi a primeira vez que entrei numa rádio sem saber que nunca mais sairia, movido pela paixão.

Eu tinha entre quatro e seis anos e queria conhecer o Falcão Negro, uma espécie de Zorro brasileiro, que tinha programa na TV Tupi. Ele foi até a Difusora para dar uma entrevista e “enfrentar os inimigos da cidade ao vivo”, como dizia o “reclame”.

Falcão Negro entrou no estúdio, mas eu estava impressionado com o sonoplasta fazendo sons de espadas se chocando no ar, gritos, vi o cara inventar sons de vendaval, raios, trem passando. Sentado ao lado dele, vi funcionar aquela fábrica de sonhos chamada rádio. Percebi que os gritos do Falcão Negro saíam de um disco, que tudo ali era delírio, fantasia, invenção.

No final, todas as outras crianças correram para pegar autógrafos com o herói, mas eu preferi encher o saco do sonoplasta perguntando como ele fazia aquelas coisas mágicas. A pessoa que me levou chegou a dizer “vamos lá falar com ele” (o Falcão) eu respondi “vou ficar por aqui”.

Indo embora, eu vi, calado, o cara guardando num baú uma campainha, serrote, apito, arame, panelas, colheres…enfim, seus ingredientes para fazer os sons da magia do rádio.

Amigos leitores, se alguém tiver alguma foto ou qualquer registro da Rádio Difusora Fluminense por favor envie para gilson@colçunadogilson.com.br. Desde já agradeço.

Também era feito em Niterói o Grande Jornal Fluminense, na época o Jornal Nacional do rádio. Era transmitido diariamente entre 18 e 19 horas em várias emissoras do Estado do Rio. Como já lembrei, a capital do RJ era aqui, a sede no Palácio do Ingá, e o noticiário produzido por grandes jornalistas era transmitido até depois de Campos. Chegou a ser ouvido no Espírito Santo, Bahia e Mato Grosso, um fenômeno típico das transmissões em AM. O jornal era gravado em Niterói e a fita levada por um mensageiro que pegava a barca e entregava na emissora do Rio que transmitia. Até a Rádio Jornal do Brasil encabeçou a rede em uma época.

Em 1971, a Bloch Editores teve uma grande sacada. Implantou em Niterói a Rádio Federal AM, emissora de rock da melhor qualidade. Foi o meu debut em rádio. Comecei como estagiário, passei a programador e depois redator do jornalismo. Funcionava na Rua da Conceição, 99, Edifício Brasília e era dirigida por Carlos Sigelman, com Marcos Kilzer e Jorge Davidson na produção.

Aprendi tudo que acho que sei de rádio com eles, além de ter conhecido o melhor da vanguarda do rock mundial. A Federal só tocava discos importados de nomes que eu nunca tinha ouvido falar: Neu, Can,  Amon Düül, Mott The Hoople, Hawkwind e os brasileiros O Terço, Karma. Foi a rádio que lançou o Secos & Molhados no Brasil.

O sonho acabou no final de 1972. Sem anunciantes e com o governo impedindo de aumentar a potência a rádio mudou de rumo e teve que detonar o rock. Saí e fui para a Rádio Tupi como repórter dos programas populares de Paulo Lopes e Paulo Barbosa, uma experiência sensacional.

Niterói continuava inventando rádios. Em 1976, o saudoso Carlos Townsend vinha todos os dias do Rio com uma mala cheia de discos e entrava em um prédio ali no Centro, perto da Maestro Felicio Toledo. O Sistema Jornal do Brasil havia comprado uma AM pequena que funcionava no prédio e o Carlos estava selecionando músicas de dezenas e dezenas de discos que trazia dos Estados Unidos.

Ninguém sabia, mas ele estava fazendo o rascunho da programação musical da Rádio Cidade, uma bomba nuclear que explodiu o Rio em 1977. Foi criada por Towsend, Albert Carlos de Carvalho, Clever Pereira e Carlos Lemos. Na locução, no dia da estreia, nomes como Paulo Martins (saudoso), Paulo Roberto, Jaguar, Fernando Mansur, Eládio Sandoval, Romilson Luiz, Ivan Romero e Sergio Luiz. Espero não ter omitido ninguém. O JB transformou a AM em FM, levou para a sede e fez a revolução. Sim, a monumental Rádio Cidade nasceu em Niterói.

Em 1981, eu e Samuel Wainer Filho, o Samuca, tivemos uma reunião com o superintendente do então Grupo Fluminense de Comunicação, Ephrem Amora, que nos convidou para assumir a direção da Rádio Fluminense FM. Saímos da reunião e começamos a construir a Fluminense FM, A Maldita, que decolou no dia 1 de março de 1982 as 6 horas da manhã.

Na tripulação da aeronave, no dia da estreia, os produtores (e hoje amigos) Sergio Vasconcellos, Amaury Santos, e o muito saudoso e querido Alex Mariano (caramba, que saudade do Alex!). Na promoção, o nosso também saudoso Lacombe e na locução, só mulheres, ideia do guru João Luiz Faria Netto, que era consultor do Grupo Fluminense: Selma Boiron, Selma Veira, Monika Venerabille, Liliane Yusim, Monica Carvalho e Edna Mayo. Mas, com certeza, não teria existido a Maldita se não fosse o apoio de Gilson Monteiro que, sócio da emissora, nos dava a maior força.

Lancei a quarta edição do livro “A Onda Maldita – como nasceu a Rádio Fluminense FM” em versão digital na Amazon. Para os assinantes do Kindle Unlimited sai de graça e o preço, simbólico, é de R$ 9,49. O livro está neste link: https://amzn.to/2WOzgHN

Lançado em dezembro, o documentário longa metragem “A Maldita”, de Tetê Mattos, vai ser exibido em breve no Canal Brasil. Conta a história da Fluminense com imagens muito raras, entrevistas, depoimentos. Filmaço!

Apesar do sucesso nacional, cabeça a cabeça na liderança de audiência, referência até hoje, a Rádio Fluminense FM, Maldita, fechou por falta de anunciantes. Ou seja, há muitas coisas que a gente realmente não entende.

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Luiz Antonio Mello
Jornalista, radialista e escritor, fundador da rádio Fluminense FM (A Maldita). Trabalhou na Rádio e no Jornal do Brasil, no Pasquim, Movimento, Estadão e O Fluminense, além das rádios Manchete e Band News. É consultor e produtor da Rádio Cult FM. Profissional eclético e autor de vários livros sobre a história do rádio e do rock and roll.
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One thought on “Niterói, uma cidade sempre ligada ao rádio

  1. Boas estórias, mas o melhor, disparado, é a foto da Praia das Flechas, cumprindo sua vocação natural e social de ser, ora quem diria, praia!

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